São Paulo (AUN - USP) - A aula sobre o tema Políticas governamentais: estratégias atuais de implementação do SUS, parte do ciclo de aulas abertas da Pós-Graduação da USP nas quais estão ocorrendo debates sobre o Sistema Único de Saúde, foi ministrada recentemente pelo professor da Faculdade de Medicina da USP Ricardo Teixeira, no Auditório Carolina Bori, no Bloco G do Instituto de Psicologia.
O professor iniciou sua fala propondo repensar o título da aula, de “implementação” do SUS para “invenção” do SUS. Segundo ele, “implementação” passa a noção de que já há ideias prontas e tudo que falta é executá-las. “Invenção”, por sua vez, permitiria pensar o sistema num plano maior, como um lugar de outra política de saúde possível frente a que existe hoje.
Para fazer essa abordagem, o professor utilizou-se do pensamento do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), particularmente a discussão sobre o problema do governo e as técnicas e artes de governar. O governo, para Foucault, é o da conduta dos homens, indo além da associação usual com o Estado. O Estado teria passado a governar a conduta dos homens com a formação dos Estados Modernos europeus, a partir do século XIV, havendo o surgimento de uma política de saúde, preocupada, por exemplo, com a saúde dos corpos.
No século XVIII, começa a surgir um tipo de pensamento político de oposição ao Estado interventor, o liberalismo, que alega que as intervenções estatais no plano econômico são muito fortes e advoga a autorregulação dos mercados. No entanto, a retirada do peso do Estado da economia não impede que ele continue a governar a conduta dos homens, o que é visto, por exemplo, pela preocupação crescente com a higiene pública, o controle das epidemias e do lixo.
O século XIX vai assistir ao desenvolvimento do capitalismo industrial e das lutas dos trabalhadores e o XX vai ter a experiência dos regimes totalitários e da Segunda Guerra Mundial. O discurso neoliberal vai surgir nesse contexto como uma nova forma de reger a conduta dos indivíduos. A única linguagem que passa a reger o mundo e a atitude dos homens é a da economia. A função do Estado, nesse contexto, passar ser a de criar um clima social que permita que o jogo da desigualdade e da concorrência prossiga sem distúrbios.
SUS e o governo neoliberal
Segundo o professor, a política de saúde brasileira normalmente é vista como indo na contramão do neoliberalismo, mas isso talvez só se dê graças a uma leitura simplista desse fenômeno: entendido como modo de governar a conduta dos indivíduos, a situação muda. A política fiscal de saúde seria um exemplo disso. Quem possui a renda para pagar um seguro de saúde pode deduzir do seu Imposto de Renda o que gastou com saúde, deixando, assim, de financiar o SUS; ou seja, é como se quem pudesse pagar o sistema privado de saúde fosse reembolsado pelo governo, enquanto quem não o pode tem que arcar com um sistema subfinanciado.