São Paulo (AUN - USP) - “Estou aqui hoje também para falar do meu fracasso”, disse Caco Barcelos, provocando a curiosidade da plateia, que assistia à palestra do jornalista, que falava sobre sua história, carreira e valores. Vinte anos após a publicação de seu livro Rota 66, que denuncia as ações criminosas da Tropa de Elite da Polícia Militar paulistana, demorou algum tempo até que a plateia chegasse à resposta de seu questionamento: “Quem mais mata em São Paulo?”. O evento ocorrido recentemente foi parte da Feira de Recrutamento e Carreira da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA- USP).
“Achei ingenuamente que denunciando a tropa, que mata inocentes com dinheiro público, eles parariam de matar”, revelou ele que, além de tê-la visto se estender a todos os Estados e ter sido perseguido e ameaçado de morte devido às acusações contidas em sua obra, diz que hoje a Tropa de Elite mata ainda mais que naquela época.
Caco verifica seu “fracasso” em fatos corriqueiros como o assassinato de um menino pela Rota ao roubar um celular, enquanto políticos corruptos, que chegaram a desviar mais de R$ 400 milhões, são escoltados por essa mesma polícia. Segundo ele, hoje vivemos uma época muito diferente de quando entrou na carreira de jornalista. “Em 1973, estávamos saindo do período mais duro do período ditatorial. Pessoas com o perfil de vocês eram eliminadas.” Criada para repressão política na ditadura, a Rota se tornou um sistema de execução de marginalizados.
Para ele o País melhorou muito de lá para cá, porém continua sendo o país da diferença e da desigualdade. Caco conta que até o jornalismo mudou. “Eu sou de um tempo em que atacar homens do Judiciário era um tabu na imprensa, empresas jornalísticas tinham grande receio.” Porém, ainda hoje, a cobertura jornalística abarca a desigualdade brasileira, ela é competente em retratar a Suíça brasileira, mas não a Etiópia: “Grandes acusações e revelações da imprensa vêm de quatro paredes da Suíça brasileira e não das ruas da Etiópia”, considera ele.
Um dos grandes problemas, de acordo com ele, é que os jornalistas se prendem aos relatos oficiais sem apurar sua veracidade. Por isso, Caco decidiu investigar os assassinatos da Rota, que frequentemente eram noticiados como “criminoso é morto em tiroteio com a polícia”. E após sete anos de investigação, sua conclusão foi de que em cada cinco pessoas assassinadas, uma é pela polícia. E seu banco de dados revelava que apenas 1% dessas vítimas eram assassinos, enquanto 63% delas nunca tinham cometido um crime.
Apesar de suas acusações, diz ele, o discurso predominante na sociedade ainda é o de que “Nós não somos violentos, é sempre o outro, o marginalizado, que tem que ser fuzilado.” Foi com o intuito e o desafio de fazer uma melhor cobertura da Etiópia brasileira que Caco propôs o programa Profissão Repórter. Segundo ele, a equipe se envolve de 2 a 3 meses com cada história, pois acredita que eles devam trabalhar mais e fazer diferente do que os veteranos do jornalismo fazem, têm de tocar em outras questões. Caco considera que os requisitos vão muito além do que é aprendido na academia, é uma questão de valor.
Nesse sentido ele falou de como a herança deixada pela sua família foi fundamental para que ele fosse bem-sucedido: “Três palavras meu pai usava e repetia: vergonha na cara”. Meu avô dizia que “é importante ter dinheiro no bolso, mas não qualquer dinheiro, tem que ser de natureza digna”. Caco incentivou a plateia de estudantes a se dar conta das ferramentas que se tem ao enfrentar um desafio. Ele contou um pouco de sua trajetória e de como sua experiência como taxista, por exemplo, o ajudou a ganhar espaço no jornalismo, ou até a escapar da morte em coberturas de guerra. Já ter aprendido primeiros socorros quando tinha dez anos, foi muito útil em suas mais de 20 coberturas de guerra.
Mas, apesar de considerar seu livro como um “fracasso” pessoal, por não ter impedido que a PM continuasse matando inocentes, sua publicação teve muitas vendas, e com o dinheiro ele pode se defender 18 vezes no tribunal das acusações que sofreu, além de ter ganhado um prêmio da ONU. E, como gastou suas economias durante a investigação, acabou adiando em 28 anos o seu sonho de comprar uma casa na praia, porém pontuou: “Antes teria só a casa, hoje tem um livro dentro da casa, que vai ficar aí para se alguém se interessar”.