São Paulo (AUN - USP) - Em evento recente no Instituto de Biociências da USP, a mestranda Fernanda Delborgo Abra apresentou sua pesquisa na área de ecologia de estradas. A temática, que já foi estudada e colocada em prática em muitos países, ainda está só começando no Brasil, mas tende a se expandir uma vez que a principal via de transporte do País são rodovias que interrompem a rica biodiversidade brasileira.
Segundo a mestranda, foram as rodovias que causaram os maiores impactos nas paisagens naturais no século 20. No Brasil, a intensificação de investimentos no transporte rodoviário ocorreu no governo JK por conta da indústria automobilística que se instalou no País. As vantagens dessa opção sempre foram muito polêmicas: a facilidade da implantação contrasta com o custo de sua manutenção e com os índices de poluição gerados. Fora essas desvantagens já abordadas, Fernanda procura chamar a atenção para um aspecto que se tem deixado de lado: o impacto ambiental sobre a fauna e flora.
As consequências são diversas, mas todas convergem para o mesmo problema: o declínio da diversidade biológica. Entre os impactos estão a dispersão de espécies exóticas, a alteração de ciclos hidrológicos, mudanças no microclima da região, poluição atmosférica e sonora, contaminação da água e do solo, destruição de habitat, atropelamento de animais e isolamento de espécies.
As estradas pavimentadas são barreiras que interrompem o habitat dos animais. Eles ou morrem tentando atravessar, ou se isolam em um pequeno fragmento preservado, aumentando o risco de a consanguinidade diminuir a diversidade genética. Porém, os atropelamentos, além da possível morte do animal, vêm de encontro com algo essencial quando o tema é estradas: a segurança dos usuários. “E é justamente por isso que governos investem nesse tipo de pesquisa”, esclarece Fernanda. Os Estados Unidos, por exemplo, tornaram-se pioneiros na temática por conta de sua fauna ser de grande porte. “Os acidentes envolvendo ursos pardos acabavam com todos os usuários mortos por conta do tamanho e agressividade do animal.”
A solução é simples: impedir os animais de entrarem nas estradas. Mas apenas colocar cercas nas estradas para impedir que os animais entrassem agravava a situação de isolamento genético. Era preciso restaurar a conexão entre populações animais, o que foi feito por meio de passagens de fauna, túneis dos mais diversos materiais e formatos que passam por debaixo da rodovia possibilitando que o animal passe de um lado para o outro sem correr o risco de ser atropelado.
A mestranda, que também presta consultoria para concessionárias do Estado de São Paulo, foca sua pesquisa nas capivaras, por serem elas as mais atropeladas. Elas são animais que vivem em qualquer lugar e que comem de tudo - muitas delas podem ser encontradas nos lugares mais inóspitos, como o leito do rio Pinheiros. Não é de se estranhar, então, que a quantidade de capivaras em beiras de estradas seja grande. Entre 2008 e 2010, as capivaras somaram mais de 50% dos animais atropelados em três rodovias paulistas - João Batista Cabral Rennó (SP-225), Anhanguera (SP-330) e Cândido Portinari (SP-334). E frequentemente os acidentes envolvendo capivaras são fatais para os usuários. Com base nesses dados e em informações biológicas do animal, Fernanda procura orientar as concessionárias de modo a adequar as passagens de fauna e as cercas para as capivaras e outros mamíferos de médio porte.
Outra solução para a questão dos atropelamentos de animais tem se tornado um problema recentemente por conta do preconceito enraizado na sociedade brasileira. As placas de sinalização que alertam motoristas para a possibilidade de animais na pista contém uma imagem de um veado, animal não nativo do Brasil, mas que é símbolo internacional de trânsito. Essas placas são alvo de vandalismo: “As pessoas atiram nos veadinhos ou picham nomes de homem”, conta Fernanda, indignada. Ano passado, as primeiras placas contendo animais brasileiros foram implantadas.
As medidas de mitigação, que envolvem placas, cercas e passagens de fauna, podem reduzir em até 87% os impactos gerados pelas rodovias no ambiente. Mas a mestranda adverte que é necessário um estudo aprofundado da realidade de cada rodovia. Em São Paulo, as cercas utilizadas tinham apenas 1,20 metros de altura quando as capivaras podem pular até 1,30. Dentre as questões que devem ser feitas estão em que frequência as passagens de fauna devem aparecer, qual o tamanho das cercas, a velocidade máxima que deveria ser permitida e se há ou não possibilidade de colocar lombadas no trecho.
Outra questão levantada por Fernanda é o destino dado aos animais em rodovias. Não há preparação de funcionários para essas situações nem uma conduta estabelecida. Tentar capturar um animal de maneira inadequada pode acarretar a morte dele, mesmo que esteja saudável. É preciso que a concessionária tenha convênios com zoológicos e centros de zoonoses, que exista um guia para identificação dos animais, que os funcionários estejam treinados e corretamente equipados.
Fernanda sabe que as medidas são sempre implantadas visando à segurança dos usuários das rodovias, por isso tenta levantar o maior número de dados para sustentar decisões dos Ministérios do Meio Ambiente e do Transporte, pois se essas ações forem adotadas de modo correto também ajudarão a preservar nossa biodiversidade.