ISSN 2359-5191

25/06/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 52 - Sociedade - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
Fórum defende Comissão da Verdade na USP

São Paulo (AUN - USP) - “Eles não morreram, a verdade ainda sobrevive”. Esta foi a mensagem transmitida pelo ato de lançamento da campanha por uma “Comissão da Verdade da USP”. A proposta encabeçada pelo Fórum Aberto pela Democratização da USP defende a investigação dos crimes praticados durante a ditadura brasileira (1964-1985) dentro da Universidade de São Paulo (USP). O evento, realizado na Faculdade de Economia e Administração (FEA), contou com um público de mais de 300 pessoas que lotaram o auditório da unidade recentemente.

O Fórum conta com a participação de alunos, DCE (Diretório Central dos Estudantes), Adusp (Associação dos professores da USP), Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), centros acadêmicos, além de entidades e grupos políticos atuantes na Universidade. “Este é um momento muito importante da história da USP e do País”, segundo um dos organizadores da campanha, Rafael Pacheco, “A USP ainda não realizou sua transição democrática”. Do ponto de vista político, de acordo com ele, isso se reflete na estrutura de poder anacrônica, que impede a participação da comunidade, e do ponto de vista legal no Regime Disciplinar de 1972 ainda vigente. De acordo com levantamento, dos mais de 300 desaparecidos durante a ditadura, cerca de 40 eram uspianos, o que demonstra a importância de uma investigação que vise “tornar efetivo o direito à memória e à verdade histórica”, como prega a campanha.

Segundo a professora do Instituto de Psicologia da USP Vera Paiva, filha do deputado Rubens Paiva, desaparecido político desde 1971, é um absurdo que ainda hoje andemos no Elevado Costa e Silva ou na Rodovia Castelo Branco, enquanto casos como o de seu pai ou de Ana Rosa Kucinski ainda não tenham sido devidamente reconhecidos. Esta, que era professora do Instituto de Química da USP, desapareceu em 1974 e um ano depois foi demitida por “abandono de cargo” pela Congregação do Instituto. “Resgatar a verdade é limpar a memória dessas pessoas”, disse Vera.

Marilena Chauí, que era professora da USP durante a ditadura, defendeu que é importante que a Comissão apure não só a violência e a repressão política do Estado contra alunos e professores, mas também a maneira como a Universidade foi estruturada com decretos como o AI-5. “A manutenção dessa estrutura tem que ser devassada se quisermos democratizá-la [a USP].”

“A lógica da negação e da justificação tem que ser combatida, pois ela impede que as vítimas sejam reconhecidas”, afirmou Eduardo Gonzales, sociólogo e ativista de direitos humanos, que participou da Comissão da Verdade e Conciliação do Peru. Para ele, essa lógica está embutida na cultura e na mentalidade da sociedade brasileira, ao perguntar às pessoas sobre a punição de crimes da ditadura, muitas alegaram que eram só 500, 400 pessoas, portanto não seria preciso tanto alarde. “Essa não é uma questão de números, mas de princípios”, afirmou ele.

Edson Teles, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da comissão de familiares de desaparecidos políticos, disse que desde o início da transição democrática, o País fez opção pelo silêncio em relação aos crimes. “Quando o Estado se responsabiliza, não aponta pessoas, nem diz quais foram os crimes, há um silenciamento”. Ele destacou também a relevância da participação dos jovens nessa mobilização pelo direito à memória e à verdade histórica. “É um momento muito importante da política nacional, de junção”. Segundo ele, há um encontro das pessoas de 80 anos que perderam seus filhos, das de 60, 40 que perderam irmãos e de jovens com 20 anos que participam dos movimentos populares.

O economista e ex-professor Paul Singer também esteve presente e defendeu que a verdade tem que ser tornada pública não só em justiça e reconhecimento das vítimas e para evitar que episódios assim se repitam, mas para entender o presente: “Compreender o presente, o porquê as pessoas são assim e agem como agem hoje”. Singer disse também concordar que a USP precisa ser democratizada: “Ela nunca foi democrática, nem antes da ditadura. [Naquela época] havia os catedráticos e só é uma universidade se for de iguais, pelo menos direitos iguais”, afirmou ele.

Marilena Chauí fez um discurso muito emocionado: “Você vinha pra cá e não tinha nenhuma garantia de que voltaria para casa. Não sabia se todos os alunos estariam na classe, se algum não estivesse, você não ousava perguntar onde eles estavam.” Professores e alunos eram vigiados noite e dia, professores eram cassados, sendo que civis e acadêmicos que indicavam aqueles que seriam expulsos. Segundo ela tudo isso não pode ficar em branco. “[A ditadura] Tem controle de sua vida e de sua morte. Isso foi a USP durante quase dez anos.”

Não foram só os professores que se emocionaram, todo o público parecia contagiado por um forte sentimento. Ao final, a aluna Lira Alli declamou Poemas do povo da noite e materializou em palavras a alma da campanha: “E me faço boca de todas as bocas assassinadas, canto de todos os cantos aprisionados, sonho de todos os sonhos submergidos pela mão armada dos carrascos de meu povo”. Nessa atmosfera, nomes de desaparecidos eram ditos e suas fotos trazidas por alunos até a frente, enquanto isso a plateia entoava em uníssono “presente”. Vítimas do regime e hoje presentes na memória de muitos, mas de paradeiro incerto. Ecoavam ainda as palavras do poeta: “Hoje o poder se absolve dos seus crimes (...) Quem responderá pela morte de meus filhos? Quem responderá pelos torturados até a loucura?”, essa é uma das respostas que uma Comissão da Verdade na USP espera obter.

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