São Paulo (AUN - USP) - A biodiversidade pode ser ferramenta de equilíbrio e agroecossistemas construídos com alta diversidade são altamente vantajosos para a agricultura familiar. Pensando nisso, Paulo Kageyama, colaborador do Ministério do Meio Ambiente e professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), dedica boa parte de seu tempo a projetos com pequenos agricultores.
Segundo dados apresentados pelo professor, dos 850 milhões de hectares de terra “em uso”, 280 milhões destinam-se à pecuária e ao agronegócio, enquanto a agricultura familiar ocupa apenas 100 milhões de hectares. Esta última detém o menor uso da terra. No entanto, Kageyama aponta que ela é responsável por cerca de 70% do alimento produzido no Brasil.
A agrobiodiversidade na agricultura familiar implica, por exemplo, em uma redução no uso de agrotóxicos, que um brasileiro chega a consumir 5,2 quilos em um ano, aponta o professor. Ele cita ainda levantamento feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a respeito dos produtos com maior nível de agrotóxico. O primeiro da lista seria o tomate, com 92% de substâncias químicas. “Por isso, faz 20 anos que não como tomate, só aquele tomatinho menor, que tem menos agrotóxico”, brinca Kageyama. Ele ressalta que esses alimentos são bonitos, coloridos, vistosos e grandes, “mas o produto não é a casca, e sim o que tem dentro”. O professor explica que vários agrotóxicos vêm para o Brasil porque aqui a legislação é mais frouxa, muitos são proibidos no exterior, mas circulam e são utilizados livremente em solo brasileiro.
Os agricultores familiares com quem Kageyama trabalha têm usado técnicas de Sistemas Agroflorestais (SAFs), com espécies arbóreas e agrícolas nas áreas de produção, gerando maior equilíbrio nos agroecossistemas. Espécies de luz e de sombra são associadas, utilizando os nutrientes do solo com as raízes profundas das árvores e as raízes rasas das plantas agrícolas.
Nesse sentido, são realizadas diversas pesquisas com assentamentos rurais, a partir de sistemas de produção baseados na biodiversidade e agroecologia. Uma delas é o projeto “Bioenergia com Biodiversidade e Segurança Alimentar”, realizado em um assentamento no Pontal do Paranapanema, São Paulo. A iniciativa prevê o trabalho com uma palmeira nativa da região, a Macaúba, que, de acordo com Kageyama, produz dez vezes mais óleo – e, consequentemente, pode ser usada como matriz energética – do que a soja. No Sistema Agroflorestal, a Macaúba divide o espaço com plantas alimentares. Mas o desafio continua: como ampliar essa forma de produção agrícola mais sustentável para uma comunidade de seis mil famílias do Pontal?
Outro projeto interssante localiza-se no extremo sul da Bahia. A equipe de Kageyana foi convidada pela Empresa Fibria a fazer, com o Movimento Sem Terra (MST) da região, um Projeto de Assentamento Sustentável, com princípios da agroecologia e cessão das terras para reforma agrária. O MST aceitou a proposta lançando a ideia de que fosse criado um Centro de Formação e Educação sobre Agroecologia e SAFs, visando à comunidade. O Centro já foi inaugurado e pesquisadores da Esalq, junto com técnicos e agricultores do MST iniciaram os trabalhos logo neste mês de junho.
Os objetivos do centro eram servir como referência regional para o desenvolvimento da agroecologia, ser uma área em que pudessem ser demonstradas tecnologias adequadas e um modelo de eficiência ambiental, bem como adquirir um papel de educação sócioambiental e formação de agricultores, técnicos e da própria comunidade. Por lá, foram desenvolvidas fruticulturas tropicais em SAFs, hortifrutigranjeiros orgânicos, condimentos e medicinais, leite e derivados a partir de pequenos animais e o cacau orgânico (cacau-cabruca) que, conforme conta o professor, era plantado por povos antigos brasileiros embaixo da Mata Atlântica. “Estamos reutilizando também o conhecimento tradicional”, afirma Kageyama.
O pesquisador apresenta alguns dados para comprovar a viabilidade da agroecologia. No município de Apiaí, localizado na região do Vale do Ribeira (SP), o cultivo do tomate orgânico é feito rodeado de biodiversidade, em pequenas clareiras abertas na Mata Atlântica. Comparando o tomate orgânico ao convencional, embora a produtividade desse último seja o dobro de maior, seu custo de produção fica em torno de R$ 5 mil, enquanto o orgânico sai por R$ 700. A diferença no retorno financeiro que o produto traz não apresenta a mesma discrepância: o tomate orgânico fica somente R$ 200 atrás do convencional. “E se eles vendessem como ‘orgânico’, o retorno econômico seria maior ainda”, comenta Kageyama.