São Paulo (AUN - USP) - A dissertação de mestrado Interações entre os ciclones extratopicais e a variabilidade extrema do gelo marinho nos mares de Bellingshausen-Amundsen e no mar de Weddell, Antártica, defendida recentemente no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, analisou a cobertura de gelo marinho antártico (banquisa) e sua relação com a circulação atmosférica na região.
Devido às baixas temperaturas, a superfície dos mares antárticos está sempre coberta por massas de água marinha congelada. Essas massas variam consideravelmente em extensão. Em seu apogeu, em setembro, podem atingir uma área maior que a do próprio continente. Já durante o verão de fevereiro, essa área fica em torno de 3 milhões de quilômetros. Sabe-se que esse gelo está intimamente ligado à atmosfera, já que reflete luz solar, diminuindo a temperatura local. Além disso, o gelo funciona como isolante térmico, impedindo as trocas de calor entre o oceano e a atmosfera.
Porém, o grande objeto do estudo foram as relações entre o gelo antártico e os ciclones extratropicais. Expansão e retração de gelo marinho, associado aos sistemas sinóticos, apresentam impacto direto sobre o clima e o tempo do Hemisfério Sul.
Por meio da reanálise de dados observados da temperatura antártica em modelos numéricos, que simulam a dinâmica atmosférica em computador, Camila Carpenedo analisou a incidência de fenômenos de alta frequência (mais efêmeros) sobre as áreas de banquisa. Os dois eventos efêmeros estudados foram os ciclones (perturbações de baixa pressão e com ventos que circulam em sentido horário no Hemisfério Sul) e os anticiclones (exato oposto dos anteriores). Segundo a pesquisadora, como essas perturbações se formam e dissipam muito rapidamente, elas não conseguem influenciar a formação e derretimento do gelo marinho. Mas exercem forte impacto sobre sua compactação e expansão. Em sua pesquisa, Camila observou que a retaguarda dos ciclones (sua parte oeste) empurra o gelo em direção ao norte (para “fora” da Antártica), expandindo-o. Já a vanguarda desses sistemas sopra ventos na direção oposta, comprimindo-o.
Como sempre ocorrem lado a lado, ciclones e anticiclones veem uma convergência de vento entre a vanguarda de um e a retaguarda do outro, já que ambas sopram na mesma direção, o que ocasiona uma intensificação dos ventos no sentido norte ou sul, dependendo da posição desses sistemas. Caso esses ventos venham a convergir na direção norte, potencializando a expansão da camada de gelo, verificam-se resultados diretos no clima sul-americano. Um aumento da camada de gelo nos mares a oeste da Península Antártica, por exemplo, é seguido, três dias depois, por uma queda da temperatura na região Sul do Brasil, enquanto o Sudeste e o Nordeste se tornam mais quentes. Quanto aos movimentos de ar associados à retração do gelo oceânico, não foi observado nenhum efeito desses sobre o clima sul-americano. As razões ainda não são totalmente conhecidas, mas, segundo Camila, "provavelmente se deve ao fato de maior cobertura de gelo marinho apresentar maiores impactos na atmosfera, devido aos contrastes térmicos entre a cobertura de gelo marinho e o oceano".
Como as frentes frias, ciclones e anticiclones oriundos da Antártica se deslocam preferencialmente na direção leste/nordeste, os fenômenos a oeste da Península Antártica têm maior impacto sobre a América do Sul.
O estudo também contempla a influência do El Niño, fenômeno de baixa frequência ligado ao aquecimento das águas do Oceano Pacífico tropical e mudanças na pressão ao nível médio do mar entre o Pacífico Central e o Pacífico Ocidental. A atmosfera conta com zonas mais ou menos separadas de fluxo aéreo chamadas células de circulação zonal. Os episódios de El Niño deslocam a chamada Célula de Walker, que ocorre entre o Equador e os Trópicos, para leste. Assim, segundo Camila, "seu ramo ascendente (movimentos verticais) ocorre no Pacífico tropical, coincidindo com o braço ascendente da Célula de Hadley". A convergência acelera e contrai a Célula de Hadley, que, por sua vez, acelera o movimento da Célula de Ferrel, localizada entre os Trópicos e as latitudes médias. Como Ferrel atinge, no Pacífico, as áreas a oeste da Panínsula Antártica, esse fenômeno acaba trazendo o ar quente dos trópicos, fazendo retrair o gelo da região.
Porém, no Atlântico, é o braço descendente da Célula de Walker que encontra a parte ascendente da de Hadley. Isso resulta numa desaceleração do sistema todo e a expansão da banquisa na região a leste da Península Antártica. O fenômeno La Niña, que consiste no resfriamento das águas do Pacífico, exerce o efeito oposto. Entre os efeitos do último, observa-se "chuva acima do normal no Nordeste Brasileiro, devido ao deslocamento da célula de Walker", explica a pesquisadora.
A influência desses fenômenos também se dá de forma indireta, pela propagação das chamadas ondas de Rosby, perturbações nas camadas superiores da atmosfera causadas pelo impacto de atividade convectiva (movimento do ar resultante de aquecimento e resfriamento) anômala. "Essas ondas se propagam em direção aos polos e geram teleconexões entre os trópicos e os extra-trópicos", afirma Camila. Isso se reflete no sul do Brasil, norte da Argentina, Uruguai e Chile.
Tratando ainda dos eventos de baixa frequência, a pesquisa descobriu que o derretimento do gelo marinho durante o verão no leste e oeste da Antártica intensifica os ciclones e anticiclones sobre a costa leste do sul da América do Sul, o que acaba baixando a temperatura local.