ISSN 2359-5191

29/06/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 56 - Educação - Instituto de Biociências
O cartunista Laerte fala sobre sexualidade na Biologia da USP

São Paulo (AUN - USP) - O cartunista Laerte se definiu como travesti em conversa com uma platéia bem diversificada no Instituto de Biociências da USP. Mas diz “os travestis não me consideram assim”. É o início de uma longa conversa que passou por questões de identidade sexual, debate público e humor em evento recente organizado pelo Coletivo Disparada.

Laerte admite que o assunto de identidade sexual e de gênero é bem confuso e instigante, que pode causar desconforto e revolta. Acusa que alguns que tentam ajudar acabam atrapalhando, informando mal ou de forma errada as pessoas. Citou o caso da participação de Maristela Basso, professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco), no programa Roda Viva da TV Cultura. A professora afirmou no programa que as pessoas não iriam mais precisar se registrar como homem ou mulher.

Cita também o Kit Gay, implantado como medida educacional pelo Ministério da Educação (MEC), mas para Laerte o material foi muito mais feito e contribui para o preconceito. Medidas e declarações que deveriam esclarecer só fazem confundir mais: “É nessa água turva que a direita pesca o conservadorismo”, conta o cartunista.

“Parte-se do pressuposto que deva ter uma congruência entre o gênero físico e a orientação sexual”, afirma. Mas Laerte, partindo de sua experiência pessoal, explica que a definição da orientação sexual é determinada por inúmeros fatores – influências culturais, sociais, econômicas. “Não vivemos isolados, estamos sempre em contato com tudo”. Para ele, a própria psicologia tem enfrentado seus dogmas, o homossexualismo não é mais visto como uma doença, como algo que possa ser revertido. Sua opinião é clara - há sim possibilidade de escolha, ela se limita as opções que a pessoa tem diante de seu desejo, mas “como o desejo é formulado é uma questão muito complexa”.

O cartunista se assumiu bissexual aos 60 anos de idade, o que acabou gerando uma certa repercussão. Pareceu-lhe mais razoável assumir sua sexualidade, uma vez que considera que a conduta de permanecer no “armário” corrobora a opinião de que aquilo está errado. Mesmo assim, não sabe se teria coragem de assumir sua orientação sexual quando mais jovem.

É adepto da teoria de que a questão de gênero é uma grande ficção, de que cada um tem seu próprio gênero. Mais do que a orientação sexual, é o gênero que é construído desde a infância e alega que há uma forte repressão por parte da sociedade para que os indivíduos se tornem homens e mulheres como o padrão determina - homens que gostam de futebol e mulheres que trocam fraudas. “O bebê está lá cagando para quem vai trocar a frauda dele”, comenta com humor.

Voltando a sua própria opção de se admitir travesti, Laerte conta que mesmo dentro do movimento LGBT (lesbicas, gays, bissexuais e travestis) existe muito preconceito. Para ser travesti, existe um código e quem não segue é discriminado. Para exemplificar sua afirmação, cita o recente o protesto feito por travestis e transexuais contra a Parada Gay.

Trabalho e humor
Quando o assunto é trabalho e humor, a questão da sexualidade não é deixada de lado. Laerte admite que está desenhando menos e que, por ter deixado de lado alguns “clichês de humor” depois que assumiu sua sexualidade, dois dos cinco jornais onde trabalhava cancelaram o contrato com ele. “Estou desenhando mais, mas em contrapartida estou pensando mais” e afirma categoricamente: “Não há humor sem preconceitos”. O politicamente incorreto deve existir na opinião do cartunista, que defende a liberdade de discurso. Conta que humoristas são pessoas “travadas”, que se estão dentro da norma moral podem falar o que quiserem.

“O humor acontece onde todos tem a mesma opinião, os mesmos preconceitos” e admite a dificuldade de ser um humorista gay – “é difícil achar plateia gay”. Mesmo assim, Laerte tentou usar seus personagens para iluminar a mente das pessoas em relação à temática da transexualidade.

É inegável que a opção de Laerte de aparecer em público vestido de mulher trouxe o assunto para o debate público. Para ele, não há como se assumir e não militar, sua única preocupação é manter um debate de qualidade. “Estamos ainda caminhando no início das nossas liberdades, temos que discutir o preconceito como algo puro”, comenta, “temos que passar por etapas”. Afirma que só teremos uma realidade com igualdade plena nas obras de ficção social.

Mais do que a possibilidade de transformação, Laerte acredita na necessidade de transformação e diz “trancos e barrancos sempre vão existir por que somos seres humanos”.

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