ISSN 2359-5191

01/07/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 57 - Ciência e Tecnologia - Instituto de Biociências
Neurologia e educação: duas áreas que tentam se aproximar

São Paulo (AUN - USP) - Em evento recente no Instituto de Biociências da USP, o professor Hamilton Haddad Júnior, do Departamento de Fisiologia, apresentou as perspectivas na área de neurologia e educação. O assunto está na moda ultimamente, mas gera grande debate por juntar duas áreas em ramos diferentes: as ciências naturais e as humanas.

A apresentação começou com René Descartes (1596 - 1650), segundo o professor foi ele quem primeiro levantou a hipótese da divisão das ciências. O filósofo tinha uma visão mecanicista da vida, enxergava o funcionamento do corpo dos animais como se fossem máquinas. Mas os homens tinham algo a mais – um espírito. Essa visão dualista reforçou a divisão entre as ciências, da matéria cuidavam as ciências naturais; do espírito, as humanas. O britânico Charles Percy Snow (1905 – 1980) foi um pouco mais além que Descartes e afirmou que as duas culturas não só não trabalham juntas, mas se opõe.

A partir do ponto de vista desses grandes teóricos, as áreas foram cada vez mais se divergindo, até que chegar ao ponto de incompatibilidade em que se encontra hoje. A proposta de Haddad, que se formou em filosofia e biologia, é exatamente reaproximar as áreas por meio de um estudo conjunto de neurologia e educação.

O que faz as duas ciências serem tão diferentes é uma questão que foi muito abordada no debate. Para alguns, é só uma questão de métodos, já que as motivações são semelhantes e os resultados, bem diferentes. Haddad afirma que muito das diferenças é puro preconceito, mas que não sabe se o método é o único fator de diferenciação.

A humanidade em geral tem a crença de que o que define o homem é seu cérebro e a partir disso a neurociência entrou na moda. Até personagem de novela neurocientista teve. Hoje em dia, é comum ler por aí termos como neuromarketing, neuroeconomia, neuroética. “A ‘neuro’ está invadindo ramos que não eram dela nem das ciências naturais”, comenta o professor. A lógica por trás desse boom da neurologia é que se a gente é capaz de aprender alguma coisa, também somos capazes de aprender o que muda no nosso cérebro quando aprendemos, fisiológica e anatomicamente.

O sistema nervoso humano contém 100 bilhões de neurônios, 10 mil sinapses. Um sistema complexo e plástico, pois o ambiente consegue moldá-lo. “Eu estou moldando o sistema central de vocês... espero”, brinca o professor para explicar o termo: nascemos imaturos e precisamos do cuidado de nossos pais por décadas, por mais tempo que qualquer outro animal, o amadurecimento de nosso cérebro é determinado por uma série de fatores externos, que o moldam. “Plasticamente, a cultura nos ensina a ser o que seremos quando adultos, por causa da nossa imaturidade.”

Nesse processo de amadurecimento, a aprendizagem é algo que vem chamando atenção de pesquisadores. Já foi provada a relação de aprender com o sono, a memória, a linguagem, a atenção, a percepção, a emoção, a plasticidade e a tomada de decisões. Mas, mesmo assim, o termo aprender ainda é algo muito vago e, por mais que a relação já esteja provada, não se sabe muito bem como ela se dá. Essas funções neurocognitivas são muito interconectadas e a questão do que está acontecendo na cabeça de alguém que aprende continua em pé.

Testes de densidade sináptica foram realizados para saber como a plasticidade ocorre ao longo do tempo. A finalidade é saber qual o melhor momento para educar. Já se sabe a melhor idade para aprender novas línguas – entre seis anos e a puberdade. Tudo está envolvido com o amadurecimento de diferentes áreas do cérebro, a mais importante delas para o aprendizado é o hipocampo.

A área é vasta e muitos artigos tem sido publicados. Inclusive, está para ser lançada no Brasil uma revista impressa só sobre o assunto – a Trends in Neuroscience and Education da editora Elsevier. Para Haddad, o objetivo é basear cientificamente a educação, “como a física é para a arquitetura”. O trabalho é difícil e Haddad explica as três pontes que devem ser construídas para solucionar seu intento: uma epistemológica, outra metodológica e a institucional.

A ponte epistemológica bate na tecla da indefinição do termo aprender. Não há consenso: no campo da neurologia, aprender muitas vezes é entendido como condicionar, mas o termo é muito mais amplo quando mudamos de área para a educação. Haddad admite que uma linguagem comum ajudaria muito na aproximação das áreas.

A segunda ponte é a metodológica, pois nos laboratórios os dados são quantitativos e na escola, qualitativos. Um lado, o das ciências naturais, acusa o outro de divagar demais, enquanto esse, o das ciências humanas, acha os resultados encontrados pelas naturais muito estéreos. Os atritos ajudam a reforçar o preconceito existente em ambos os lados. Muitos acham que os dados neurológicos se limitam a resultados de ressonâncias, mas o professor questiona: “Observar o comportamento não é fazer neurologia?”.

A terceira ponte a ser construída, e a mais importante na visão de Haddad, é a institucional. Se essa ponte fosse estabelecida, as demais se resolveriam naturalmente. Há uma grande distancia entre os centros que estudam neurologia e educação e raramente há contato entre eles. “São como feudos que não se conversam”, exemplifica o professor. Poucos neurologistas se propõem a entrar em contato com o estudo da educação e os pesquisadores de educação repelem outros pontos de vista senão o filosófico.

Essa resistência por parte dos educadores é compreendida por Haddad. “Eles temem que o problema da educação seja reduzido a algo biológico”. E este medo é fundado, pois o tratamento dado ao déficit de atenção hoje em dia é a base de medicamentos enquanto muitos educadores acreditam que o problema não é real, que foi criado só para vender remédios. A medicalização do ensino é algo para o qual todos devem estar atentos, mas não é necessário negar o fator biológico, por mais que os contextos culturais e sociais também sejam importantes.

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