São Paulo (AUN - USP) - Todo mundo sabe que fazer exercícios físicos é bom para a saúde. Mas que praticar exercícios pode inibir a ação genética é um conceito relativamente novo até mesmo para a medicina. Os responsáveis por essa mudança na nossa expressão genética são os microRNAs, pequenas moléculas de RNA que têm o poder de regular positiva ou negativamente (isto é, aumentar ou diminuir) a ação dos genes.
O microRNA age após o processo de transcrição. Nesse processo o DNA serve de molde para a formação de uma molécula de RNA mensageiro (mRNA) que vai mais tarde sintetizar proteínas no processo de tradução – as proteínas exercem as mais diversas funções dentro do nosso organismo. O microRNA se liga ao RNA mensageiro e impede que ele de origem à uma proteína, inibindo assim a ação do gene do DNA que codificou o RNA mensageiro.
Os microRNAs foram descobertos em 1993. No começo dos anos 2000 eles voltaram a ser estudados, mas com finalidades terapêuticas. “Em vez de você modular um gene, o que acarreta um risco porque ele está lá no DNA, você pode mexer na estrutura de RNA. Até para não ser tão invasivo, porque se você mexe no DNA você está mexendo em uma estrutura que é sensível, pode provocar alguma outra reação que você não quer”, explica Ursula Paula Renó Soci, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) que estuda a expressão dos microRNAs.
Na hipertrofia cardíaca (aumento da massa muscular do coração) o microRNA-208a tem grande importância. Quando a hipertrofia é patológica, ou seja, causada por doença cardíaca, o microRNA-208a é encontrado em grande expressão. Isso causa um aumento da quantidade de um tipo de miosina – proteína responsável pela contração do coração – mais lenta, a beta miosina de cadeia pesada. O coração doente também apresenta grande quantidade de colágeno, o que associado à maior quantidade de miosina lenta faz com que o coração tenha dificuldade na contração. Algumas doenças do coração que causam a hipertrofia são o infarto, a insuficiência cardíaca, a doença de chagas e mais uma.
Mas existe outro tipo de hipertrofia do coração, essa benéfica: a hipertrofia fisiológica, resultante da prática de exercícios. O que os pesquisadores da USP descobriram é que na hipertrofia fisiológica o comportamento do microRNA-208a é diferente: ele diminui de expressão, diferentemente do que ocorre na doença. A pesquisa é parte do trabalho de doutorado de Ursula Paula Renó Soci, pela Faculdade de Medicina da USP, com orientação da professora Edilamar Menezes de Oliveira. Quando o microRNA diminui, a ação do gene da beta miosina de cadeia pesada também diminui. A porcentagem da miosina do tipo lento diminui e a de miosina do tipo rápido aumenta, por isso a hipertrofia fisiológica é benéfica, ela resulta em um coração mais eficiente.
Os testes foram realizados no Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular do Exercício, na Faculdade de Educação Física e Esporte, com ratos submetidos à treinamento de natação. “Nos ratos a gente já sabe que o exercício físico reverte [o processo de hipertrofia fisiológica é o inverso do de hipertrofia patológica], mas em humanos é difícil avaliar, por que normalmente as pessoas submetidas à treinamento físico pesado são atletas. Como você vai tirar um pedaço do coração do atleta para estudar?”, explica Ursula.
O trabalho foi apresentado no 33º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) e ganhou o Prêmio Melhor Pesquisa Básica. Foi o primeiro trabalho sobre educação física que ganhou um na área medica na Socesp. Úrsula acredita que o estudo dos microRNAs no exercício é muito importante: “Esses microRNAs que são expressos diferentemente no exercício podem ser o alvo terapêutico para a área médica, para a área cientifica, para toda a comunidade que queira estudar a respeito”.