São Paulo (AUN - USP) - Mais que simples conversas, as cartas enviadas e recebidas por escritores e intelectuais são documentos precisos para entender não só suas obras, mas também diversos aspectos de suas vidas e trajetórias, bem como os contextos sociais, políticos e culturais vividos. Não é por acaso, portanto, que o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) reúne arquivos e projetos de pesquisa sobre o tema. Nos dias 10, 11 e 12 de julho, a unidade realizou o curso de extensão Memórias Póstumas: Correspondência de escritores brasileiros no século XX.
Coordenada pelo professor Marcos Antonio de Moraes, docente do Instituto, e pelas pós-doutorandas Ieda Lebensztayn, Silvana Moreli, Vicente Dias e Raquel Afonso da Silva, a atividade de difusão teve módulos de duas horas com apresentações sobre suas pesquisas. Também contou com a participação de Walnice Nogueira Galvão, professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), e uma visita ao arquivo da unidade monitorada pela especialista Elisabete Ribas.
Marcos afirma que as cartas são o “subterrâneo da literatura”, em que se formam redes de sociabilidade entre escritores e intelectuais. Nelas ocorrem as discussões que servem de base para projetos artísticos e formação de obras. No entanto, ao contrário de livros e outros objetos artísticos, a correspondência é um objeto híbrido, em que há diversos tipos de tensões constitutivas, como entre a oralidade, já que se trata de uma conversa, e a escrita, o público e o privado, a presença e a ausência e a realidade e a elaboração usada para se convencer. Também há de se levar em conta elementos próprios da carta, como remetente e data.
No entanto, o trabalho de pesquisa em epistolografia não inclui apenas a análise do material: muitas vezes é preciso reunir as cartas que não foram publicadas. É o caso do trabalho realizado pela professora Ieda Lebensztayn. Seu estudo inclui a reunião da correspondência de Graciliano Ramos para escritores, editores e tradutores – as cartas para familiares e amigos já foram publicadas. O trabalho revela um pouco das relações entre intelectuais da época, como a participação de Graciliano na revistaNovidade, de Maceió, que era formada majoritariamente por jovens – o autor de Vidas Secas e o poeta Jorge de Lima eram os mais velhos do grupo. Nas cartas de 1937 à esposa Heloísa, Graciliano chama o grupo, afetuosamente, de “meninos pelados”.
A questão do relacionamento e seus reflexos no estilo da escrita também está presente no estudo das cartas de Gilberto Freyre, tema da pesquisa da professora Silvana Moreli Vicente Dias. A correspondência entre Freyre e Manuel Bandeira, objeto de estudo do doutorado de Silvana, já defendido na FFLCH, é mais leve e descontraída. Nela, aparecem temas do cotidiano e da cultura popular, que passarão a aparecer na obra de Bandeira, sobretudo, a partir de Evocação do Recife, poema escrito a pedido de Freyre para o Livro do Nordeste, edição comemorativa de 1925. Já nas cartas trocadas entre Freyre e José Lins do Rego, o tom é trágico e íntimo e aparecem, inclusive, aspectos da situação política da Era Vargas.
Se as pesquisas de Ieda e Silvana mostram a relação entre escritores, a da professora Raquel Afonso da Silva aborda outro tipo de sociabilidade: a do autor com seu público, por meio das cartas enviadas por leitores. Em seu doutorado realizado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Raquel comparou as cartas enviadas a Monteiro Lobato, Pedro Bandeira e Ana Maria Machado. Agora, em seu pós-doutorado no IEB, a pesquisa se concentra nas cartas enviadas a Odette de Barros Mött, também autora de literatura infanto-juvenil. Raquel afirma que esse estudo revela diversos aspectos pouco explorados na literatura, como a recepção do público às obras. A formação da literatura infanto-juvenil como gênero e o papel da escola como mediadora da relação entre autor e leitores e como consumidora de livros também são abordados pelo estudo.
Arquivo
Elisabete Ribas, supervisora do arquivo do IEB, conta que ele passou a ser um setor independente em 1974, com a chegada do fundador Mário de Andrade ao Instituto – antes disso, o Arquivo era integrado à biblioteca, onde estavam reunidas cartas e demais documentos.
A supervisora destaca o papel da correspondência na compreensão da humanidade dos grandes intelectuais e na percepção da importância deles na construção da história. Ela também reafirma que, ao contrário das obras, que podem ser estudadas em profundidade e de maneira independente, as cartas se ligam umas às outras, formando o que chama de “lindo mosaico” que precisa ser visto de longe para ser apreciado.
A distância, no entanto, é apenas no sentido figurado: o Arquivo está disponível para visitação e consulta, de segunda a quinta-feira, das 9h às 18h, sem necessidade de agendamento.
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