São Paulo (AUN - USP) - Catorze meses depois do acidente com a usina de Fukushima, o Japão voltou a usar energia nuclear no último domingo. Cinco é o número de acidentes desse tipo no país entre 2004 e 2011. Este último reacendeu o debate sobre o futuro da produção de energia nuclear no mundo. A população da Alemanha protestou, os ambientalistas se manifestaram, mas a questão é complexa. No Brasil, previsões da Eletrobras apontam que usinas nucleares seriam fundamentais para ajudar a manter estável a produção energética do País.
Ricardo Galvão, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), conta que existe um esforço mundial para viabilizar a construção de reatores nucleares a fusão. “O processo de fusão nuclear seria a saída da humanidade para uma fonte mais limpa e praticamente inesgotável de energia”, afirma.
Segundo Galvão, ao contrário dos reatores a fissão nuclear – processo mundial que existe atualmente –, os a fusão não produzem resíduos radioativos de longa duração. Além disso, outra vantagem apontada seria que, embora muito quente, o reator nuclear é pouco denso – quase um milhão de vezes menor que a densidade do ar – e se alguma coisa der errado, ele pode ser confinado em uma câmara a vácuo. “Não há nenhum risco de explosão ou de sair radiação para o meio ambiente”, afirma o professor, que conclui: “Ele não seria prejudicial à humanidade”. Ele explica também que a fusão nuclear é a fonte de energia do Sol, ou seja, das estrelas. No entanto, esse processo é muito difícil de ser simulado na Terra. E por quê? “Bom, para isso é preciso voltar um pouco mais para trás”, anuncia.
Galvão conta que, no processo de fissão nuclear, faz-se incidir uma partícula energética neutra no núcleo de um átomo pesado, o urânio-235. Nessa colisão, o núcleo pesado se rompe e produz outros núcleos mais leves. “Se nós somarmos a massa dos núcleos produzidos, veremos que ela é menor que a soma da massa dos núcleos reagentes. É essa diferença de massas que é transformada e liberada na forma de energia”, explica.
Na reação a fusão o processo é diferente. Em vez de se quebrar o núcleo pesado, juntam-se dois núcleos muito leves. Esses núcleos são isótopos de hidrogênio, o deutério e o lítio. Ao fundir esse dois núcleos, o núcleo produto será o do gás hélio, que também é neutro. Novamente, a soma das massas antes e depois não é igual, comprovando a produção de energia, que é liberada com alta velocidade.
Os dois núcleos a serem fundidos são prótons, ou seja, têm a mesma carga positiva. Só que cargas iguais se repelem. “Nas estrelas, a massa é tão grande que a própria força gravitacional faz esses núcleos se aproximarem, ela vence essa repulsão. Mas na Terra nós não temos essa força”, explica o professor. O que fazer, então? Galvão conta que a equipe aquece um gás com os isótopos a temperaturas altíssimas, cerca de seis milhões de graus centígrados. Segundo o pesquisador, quando um gás está em uma temperatura muito alta seus componentes adquirem uma velocidade grande. “É como se você for subir uma montanha: se você subir devagar só um pouquinho com uma bicicleta você cai, se nós conseguirmos uma velocidade muito grande, chegamos até o topo. Os isótopos adquirem uma velocidade tão grande que vencem essa repulsão das cargas e acabam colidindo”, explica. O gás é aquecido a uma temperatura tão alta que ele não fica mais neutro, ele se ioniza, os elétrons saem e é isso que é chamado de plasma.
Galvão afirma que, embora esse processo seja difícil, ele já foi comprovado cientificamente em máquinas no exterior. Existe, no entanto, uma dificuldade ainda maior: como confinar esse gás, evitar instabilidades, controlar as perdas de energia? “Aqui no laboratório nós temos uma máquina em que produzimos este gás e investigamos como controlá-lo, aquecê-lo, dominar suas instabilidades e colaboramos também com dispositivos maiores do exterior”, explica.
Nesse sentimento, o professor aponta uma parceria muito forte com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e a École Polytechnique Fédérale de Lausanne, na Suíça. Juntos, os três realizam experimentos no maior dispositivo do mundo atualmente em operação, o JET (The Joint European Torus Project), situado em Culham, na Inglaterra. Lá, Galvão conta que eles desenvolvem alguns sistemas de medidas de parâmetros importantes no plasma confinado no JET. Enquanto isso, aqui, nas máquinas bem menores do Instituto, também são realizadas experiências relevantes para se descobrir como esse plasma se comporta.
De acordo com Galvão, existe um equipamento no JET que estuda como algumas ondas especiais que se propagam nesse plasma são amortecidas. O professor explica que essa informação é muito importante para descobrir se, caso essas ondas forem incitadas, elas poderiam destruir o plasma ou não. Galvão conta que Lausanne desenvolveu um sistema para essa operação que opera bem, mas não com a máxima qualidade necessária. Em 2009, o Brasil assinou um acordo de cooperação científica com a União Europeia. Dentro desse acordo, a proposta brasileira foi exatamente ajudar na melhoria desse sistema. “Tudo que havia sido desenvolvido por Lausanne até aquele momento nós assumimos, eles nos dariam apoio e nós desenvolveríamos várias partes importantes que operariam esse sistema”, conta Galvão.
Segundo ele, um trabalho significante envolve ondas de radiofrequência. “Para incitar essas ondas nós propusemos o projeto de um novo amplificador de radiofrequência, um gerador totalmente original”, explica o professor. Foi feito, então, o projeto conceitual e o desenvolvimento, realizado em parceria com uma empresa de São Paulo, deve ser patenteado. O próximo passo, conta Galvão, é instalar e operar esses amplificadores em Culham.