São Paulo (AUN - USP) - A representação paterna dentro das famílias brasileiras vem mudando ao longo das gerações. O pai, antes idealizado e visto como a lei dentro de casa, tem se tornando uma figura mais próxima e que dialoga mais com a família. Em estudo realizado no Instituto de Psicologia (IP) da USP, crianças e adultos mostraram que as gerações representam a figura do pai de maneira diferente. “Os adultos mostraram uma visão tradicional e conservadora, com o pai como o provedor do lar. Já as crianças foram mais realistas, não representaram heroicamente seus pais. Elas parecem compreender melhor a condição humana que não é perfeita”, diz a psicóloga Glaucya Hannah Covelo.
Para a dissertação de mestrado, foram selecionados 10 meninos, entre 6 e 12 anos, e 10 adultos do sexo masculino, de 23 a 50 anos, e que tivessem ao menos um filho homem. A pesquisadora explica que seu objetivo não era fazer um estudo de caso, então não era preciso que os voluntários fossem pais e filhos. “Tivemos casos de pais e filhos respectivos participando, mas a maioria não era composta por pares relacionados."
Foram escolhidos crianças do sexo masculino porque, segundo Glaucya, toda criança, ao nascer, se identifica primeiramente com a mãe. A figura materna é a primeira figura de identificação que servirá de referência, tanto para meninos quanto para meninas. A grande questão é que para os meninos isso ainda não é suficiente. "O pai é para o menino uma referência de lei, ordem, disciplina e, também, do que é ser homem, em um sentindo mais amplo do que basicamente a masculinidade".
Cada um dos 20 voluntários teve que fazer um desenho e contar uma história que retratasse sua família. Em nenhum momento Glaucya mencionou a figura paterna, mas apenas representações das famílias, já que o intuito inicial era identificar como eram representados os pais dentro do contexto. A família em questão também não era especificada, poderia ser qualquer uma: a dele mesmo, uma imaginária, a de sua origem ou a que ele estava formando (no caso dos adultos).
"O que observamos é que as relações caminham para a alteridade. Alteridade é um conceito que envolve o diálogo e a reflexão. Ou seja, as relações fraternais não são mais estáticas, mas sim bastante flexíveis”, conta a psicóloga que exemplifica: "O pai pode ser rígido em alguns momentos, mas afetivo em outros. As ações passam a depender da situação".
A pesquisa ressalta que "alteridade" não é mudar completamente a maneira de se relacionar, mas valorizar o que é possível, não mais o que é ideal e o perfeito. A tendência das próximas gerações é valorizar mais a individualidade das pessoas.
“De certa forma, foi uma surpresa essa constatação da imagem humanizada do pai representada pelas crianças. Os adultos mostraram que idealizam mais a figura paterna, enquanto que as crianças são mais realistas.”
Análise dos desenhos e da narrativa
Os desenhos e as narrativas foram analisados segundo a estrutura dramática de análise dos sonhos de Carl Jung (1875-1961), psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica. "Consistia em uma análise da energia que estava estancada ou que estava fluindo em cada um dos elementos do desenho e nas histórias."
A partir desses desenhos, foram definidas “imagens de pais". Dentre eles o pai tradicional, que aparecia nas narrativas como aquele que "chegou em casa depois de um dia de trabalho, recebeu seu salário e pôde comprar coisas para sua família". Já nos desenhos ele era maior que os outros membros, enquanto a mãe aparecia em um tamanho mediano e os filhos pequenos.
Outro modelo é aquele onde a figura paterna não se destaca. O desenho do pai e da mãe era muito semelhante e, na história, a narrativa tinha sido elaborada em terceira pessoa, ou seja, "eles nos levaram para passear".
O pai substituído está ausente nas narrativas, suas funções são realizadas por outros membros da família. Nos desenhos sequer podia ser identificado.
Por fim, o contemporâneo, aquele que faz parte de uma família não-convencional, que possivelmente se casou com outra mulher e teve outros filhos de outros casamentos. É um pai mais acessível, que dialoga mais com seus filhos.
A pesquisadora afirma encarar os resultados de maneira bastante modesta, mas também acredita serem muito significativas as mudanças de percepção encontradas de uma geração para outra.