São Paulo (AUN - USP) - Para escrever sua tese de doutorado, a enfermeira Selisvane Domingos baseou-se em sete depoimentos de mulheres que realizaram abortos ao longo da adolescência. A pesquisadora faz, em sua pesquisa, uma análise qualitativa dos casos estudados por meio de cinco aspectos principais: impacto da gravidez, decisão e realização do aborto, sofrimento resultante, consequências e vida pós-abortamento. Sob o título O significado da ação de provocar o aborto na adolescência: uma abordagem da fenomenologia social sob a perspectiva de mulheres, a pesquisa teve sua parte empírica realizada na cidade de Caratinga, localizada no interior do leste de Minas Gerais, onde a autora reside atualmente.
Formada em enfermagem pela Universidade Federal de Juiz de Fora e mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais, a pesquisadora afirma que a temática da saúde e sexualidade na adolescência sempre esteve presente em sua carreira acadêmica, desde a graduação. Sua dissertação de mestrado teve como tema o significado atribuído por adolescentes do sexo feminino à primeira consulta ginecológica. Em 2008, cinco anos depois de obter o título de mestre, a pesquisadora chegou à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, onde realizou seu doutorado.
Selisvane relata que não foi fácil encontrar mulheres dispostas a compartilharem suas experiências, fato que ela atribui a questões como a ilegalidade do aborto induzido e a dor relacionada à memória dessas experiências. Ela conta ainda que a aproximação com essas mulheres foi gradual, e que, a fim de adquirir a confiança necessária para garantir a qualidade dos relatos, encontrou-se com cada uma delas no mínimo três vezes.
Das sete mulheres que participaram da pesquisa, apenas quatro tiveram a autonomia para optar pelo aborto, algumas motivadas por dificuldades financeiras e outras por relacionamentos instáveis com seus companheiros. As outras três entrevistadas abortaram por imposição de suas mães. A pesquisadora conta ainda que apenas uma delas procurou uma clínica especializada, enquanto as outras seis fizeram o que ela chama de "aborto inseguro", que, segundo a Organização Mundial de Saúde, é aquele realizado por pessoas sem as habilidades necessárias ou em um ambiente que não cumpre com os mínimos requisitos médicos. Quase todas tiveram que ser hospitalizadas após o aborto, aumentando o sofrimento causado pela decisão tomada e pelo medo dos procedimentos extremamente arriscados utilizados nos abortos clandestinos.
Um dos enfoques mais importantes da pesquisa é a questão psicológica, e o fator que se provou de maior preocupação dessas mulheres é a vida reprodutiva. Esse fato se verifica especialmente no caso das que não tiveram escolha em relação ao aborto — as três desejam engravidar novamente. A pesquisadora conta também que o sentimento de culpa é muito frequente, e o discurso religioso estava presente nos depoimentos de algumas das entrevistadas. Ela lembra um caso específico, em que uma delas decidiu confessar o ato na Igreja: "O padre colocou para ela que ela teria que doar um ano de cestas básicas para uma determinada instituição, rezar tantos pais-nossos e tantas ave-marias e que a mãe dela teria que ter outro filho para compensar o ato".
Selisvane conta que a pesquisa marcou muito sua percepção em relação ao aborto. "Não as vejo como culpadas", afirma, sobre as mulheres que entrevistou. Ela acredita que a decisão pelo aborto precisa ser da mulher, mas, sobre a polêmica da legalização, comenta: "Essa questão precisa ser mais discutida, mais explorada, não é só legalizar ou não legalizar, precisa melhorar outros fatores relacionados, como educação e saúde".
Selisvane explica ainda que essas pacientes não revelam, quando chegam ao hospital, que passaram por um aborto provocado, devido à ilegalidade dessa prática. Ela esclarece que os médicos não podem colocar nos prontuários dessas pacientes algo que elas não afirmam, de modo que o tratamento dado pode ser adequado, mas os números e a realidade do aborto provocado no Brasil permanecem desconhecidos. O assunto fica, assim, relegado à clandestinidade, e o poder público não toma as medidas necessárias para minimizar as consequências dessa lacuna no sistema de saúde pública.