ISSN 2359-5191

26/09/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 89 - Sociedade - Faculdade de Direito
Direito administrativo brasileiro precisa se reconhecer

ão Paulo (AUN - USP) - Thiago Marrara foi o segundo palestrante na noite em que o Grupo de Estudos sobre Democracia no Direito Administrativo foi lançado na Faculdade de Direito da USP (FD-USP). A mediação foi feita pelo Gustavo Justino, professor de Direito Administrativo da FD-USP, o qual introduziu as questões iniciais sobre o tema, questionando se o próprio termo “direito administrativo democrático”, não seria uma redundância. Existiria outro direito administrativo que não fosse democrático?

Justino afirmou que sim. Se analisarmos a origem do direito administrativo, são notáveis sua base autoritária e seus resquícios antidemocráticos. E ainda defendeu que a administração pública deve ser democrática, e inclusive tem passado por um longo processo de democratização. “A administração é pública porque tem deveres de prestação ao publico, algo óbvio, mas que é importante relembrar, porque existe aquele que ainda está presente na sociedade que é o antidemocrático”, afirmou o professor.

Em seguida, Thiago Marra trouxe seus contrapontos em relação ao tema e elogiou a iniciativa de se montar um grupo de estudos para trabalhá-lo. “O processo de democratização não é tão simples e muitos instrumentos colocados não são verdadeiros”, disse Marra. “E nesse ponto, um grupo de estudos de democracia no direito administrativo se faz necessário.”

O professor ainda foi mais crítico, e ressaltou a relevância em se democratizar a própria academia, a qual até hoje ainda é acostumada com os argumentos de autoridade. Ele também comentou que muitos continuam levando críticas científicas como críticas pessoais. “As pessoas não podem ficar chateadas porque alguém criticou seu pensamento”, conta ele. Portanto, criar um ambiente democrático dentro da academia, além da superação do mau costume de se fazer pesquisa individual, ampliando o debate de idéias é essencial.

Marra também acrescentou que o direito é uma ciência social aplicada e entender a própria realidade, os problemas brasileiros, para fazer essa ciência jurídica é de suma importância. “Não há como fazer uma doutrina aqui pensando na Suíça”, argumentou o professor. “Se não estudamos os problemas brasileiros, ignorando-os, estará sendo escrita uma doutrina desvinculada da prática.” E, assim, o professor incentivou aos presentes para que fossem provocativos, superassem essas questões, sendo criativos e dialogando, sem medo da crítica. E, claro, conhecendo a realidade do Brasil. O que, evidentemente, não impede estudos comparativos. Comparar é um método para se chegar a um resultado, mas é preciso saber que temos uma realidade peculiar, a qual não encontramos em nenhum outro lugar.

Em busca da democratização
De acordo com Marra, as tendências da democratização do direito administrativo no País são diferentes das européias. No Brasil, a história do direito nacional pode ser dividida em quatro fases: fragmentação pré-independência, ordenações do reino de Portugal, uso de bens públicos, patrimônio do estado e direito local. “Nossa história não surgiu em 1800, com a lei administrativa francesa, uma das pedras da ciência do direito administrativo. Nós tínhamos história anterior, porque as normas da colônia não chegavam nas vilas”, conta ele. Seriam então, 500 anos de direito administrativo brasileiro.

Posteriormente, acompanhando o movimento europeu, a primeira cadeira de Direito Administrativo foi ocupada por Antonio Joaquim Ribas, no meio do século 19, com o conselho de estado, colaborando em muitas questões.

Já no século 20, por volta de 1891, depois da constituição consolidada e com a edição de várias leis específicas, como o primeiro código florestal de águas, a lei de desapropriação, foi se compondo a renovação legislativa até 1988. Aqui se insere o direito administrativo democrático, com essa própria constituição.

Nesse aspecto pode ser destacada a tentativa de criar regras que protegessem a sociedade contra a má gestão do estado. Por isso, a constituição expandiria as normas de concurso público, licitações e controle patrimonial. “O inovador não são os direitos fundamentais, e sim o tratamento constitucional do direito administrativo”, diz Marra. De fato, o direito precisa intervir para incentivar a democratização. Por exemplo, o artigo 29, que exige que em todo planejamento municipal a população deve participar, planejamento esse esquecido.Cabe à lei tratar das formas de participação da população na administração pública. Será o legislador que irá criar os instrumentos de ação democrática.

Mais um momento de renovação do direito administrativo relembrado pelo professor, foi em 1995, com a reforma do Estado e o plano diretor. A administração ficou ainda mais burocrática, algo neutro, impessoal, em um estado gigante, além de atividades prestativas, exigia-se uma nova conformação. Havia uma preocupação do administrador consigo mesmo, não com o cidadão, nem em saber se as finalidades que justificavam sua existência e se essas estavam sendo cumpridas. Assim, a reforma gerencial para que administração pública passasse a ouvir o cidadão, reforçando a democratização.

Outro aspecto ressaltado por Marra é o de tornar a administração mais eficiente. Seria necessário seguir três regras: racionalidade no funcionamento, eficácia nas decisões que atingem as finalidades públicas e “economicidade”: atingir as necessidades com o mínimo de recursos, já que estes são do povo e não do Estado. Resumindo: na medida do possível, fazer mais com menos.

Para que administração seja eficaz é preciso ouvir os destinatários da decisão, para saber se aquela decisão terá efeito prático para eles. Essa ideia de eficiência e eficácia da ação pública exige reforço nos canais de legitimação, ou seja, uma construção de novas formas de diálogo e legitimação democrática. Se o Legislativo é um representante do povo, à medida que se cumpre a relação da legalidade, tem-se um ato legítimo. Assim, abrir novos canais de comunicação que permitam esse encontro próximo, como audiências públicas, consultas públicas, representantes discentes, assim como canais que confirmem essa legitimação, em teoria a participação dessas pessoas irá ampliar a aceitabilidade de uma decisão.

Porém, Marra ainda destacou outra questão essencial: quem de fato participa dessas audiências reguladoras? Seria o cidadão? Não, são os advogados. O que o cidadão vai entender sobre os anabolizontes, por exemplo? Mesmo que entenda, a pessoa irá parar sua vida e dificilmente irá a uma audiência pública.

Além disso, há outro problema, o cidadão não conhece termos públicos. Trata-se de um limite operacional. Quem vai à audiência é quem tem interesse, quem concorda não comparece na audiência. Ocorre então uma seletividade, audiência e consulta são seletivas. Quem participa não é o povo. Por isso a legitimação pela lei ainda deve prevalecer pelos meios de participação popular. E também por isso essa questão exige uma atenção especial da academia para buscar melhores soluções.

Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br