São Paulo (AUN - USP) - No final de agosto, a Faculdade de direito da USP recebeu Vasco Pereira da Silva, da Universidade de Lisboa, em palestra intitulada Direito Administrativo Democrático: Democratização da Administração do século 21 e de seus Institutos Fundamentais. Silva comentou sobre a origem do direito administrativo, que teria surgido na França. Funcionários administrativos franceses o criaram por uma necessidade. É preciso que os tribunais não perturbem a administração e este é o trauma do direito administrativo. Em 1873, era necessário criar uma norma para proteger a administração, porque ela não poderia responder nos mesmo termos que o privado. Silva argumentou que este foi um começo traumático e questionou se uma ação contra uma pessoa pública seria julgada igual à de um privado. Esse trauma continuaria, pelo menos para o contexto atual de Portugal, na visão de Silva.
Além disso, em um primeiro momento, ouve a instauração do estado, sendo o direito administrativo extremamente autoritário. Inclusive, o estado liberal estaria sedimentado por isso. Assim, visando proteger a administração, e indo em consonância com o espírito jurídico do liberalismo a administração ficou subordinada a garantia de segurança e liberdade a propriedade privada, com um estado de polícia por trás, fenômeno comum em toda a Europa do século 19.
Posteriormente, o alargamento dos direitos fundamentais obrigou transformações no direito administrativo, que passou a ser uma forma de atuação. Se o judicial define o direito, a administração faz uso dele. Essa mudança forçou a busca por novos centros para o direito administrativo. “Da administração resulta o direito, o ato é apenas um momento”, defende o professor. O procedimento administrativo seria uma realidade com várias funções.
Silva contou de um exemplo que vivenciou quando estava nos Estados Unidos. Ia acontecer em Nova York, uma canalização em determinada rua de Manhatan, que traria transtorno a uma série de pessoas. Devido a uma senhora que se manifestou, foi colocado uma passagem de pedestres. Graças a participação aberta, instrumento da democratização da administração. Para Silva é dever da administração atuar no direito do privado.
Assim, desde dos anos 80, com o estado pós-social, o direito administrativo tem sido repensado. A questão ecológica no século 20, direitos fundamentais da terceira geração preocupada com o ambiente, além da proteção das novas tecnologias. São novos direitos fundamentais, passou a ser uma administração infraestrutural. Em vez de realizar toda administração, há um convívio com os particulares em conjunto. A administração pública torna-se apenas reguladora. O professor comentou alguns exemplos a respeito da transformação na administração que passou a ser multilateral. Um aeroporto afetaria uma vila inteira, foi transferido para um local que não afetaria. Proibição a uma fábrica que afetava todos os vizinhos, que seriam sujeitos do direito administrativo, direito do consumo e urbanismo. Tudo isso hoje já faz parte da teoria do direito administratvivo. “A massa precisa de processos de massa”, defendeu Silva. “É preciso ir acompanhando as realidades que vão acontecendo.”
Essa mistura do direito administrativo com o direito privado é uma realidade dos dias atuais e os problemas precisam ser discutidos. Parcerias público-privadas, realidades novas, de um novo direito administrativo, o qual usa o instrumento do direito privado para resolver suas questões. “Casos novos devem ser analisados, o direito administrativo está em construção e não podemos parar no século 19, não vale a pena continuar nos tabus passados”, comentou Silva, chamando atenção ainda para que a fuga ao direito privado não seja uma fuga do direito.
O professor falou a respeito também de outro tabu, presente principalmente em países não europeus. “O direito administrativo nasceu ligado ao estado, hoje é para além do estado, sem fronteira”, defendeu. Se existem problemas idênticos nos países, não necessariamente as soluções serão iguais, cada situação deverá ser analisada. Mas a comparação, atenção aos problemas comuns a outros pode ajudar.
Surgiu assim, um direito global, um direito internacional público que segue ao lado de uma lógica no direito administrativo global. Um exemplo citado por Silva é o caso europeu. A Europa não é um estado, nem nunca virá a ser, mas há regras que determinam normas constitucionais nessa região. Não se enquadra no direito internacional, público e nem estado, e sim decisões comunitárias são escutadas. Segue assim, a lógica do direito comunitário que se mistura com o direito dos estados membros. Vários sistemas regulam uma mesma questão, funcionando em rede.
Esse é um fenômeno de um novo direito administrativo, significando uma supressão dos traumas nacionais do século 19. Os acontecimentos vão exigindo essas mudanças, de acordo com Silva, que ainda citou os casos da vaca louca, pássaros constipados, febre suína, que ocasionaram a posterior proibição do complemento animal nas rações dos animais herbívoros, por exemplo, criando essa rede de administrações públicas e de aplicação na Organização Mundial da Saúde (OMS) que passou a indicar questões globais aos estados.