ISSN 2359-5191

31/08/2004 - Ano: 37 - Edição Nº: 10 - Saúde - Instituto de Psicologia
Estudo com deficientes visuais avalia educação de cegos

São Paulo (AUN - USP) - Você conseguiria imaginar um arco-íris se jamais tivesse visto um? Se conhecesse as cores e soubesse qual o formato de um arco, você poderia recorrer à definição do fenômeno e imaginá-lo. Mas como seria conceber um arco-íris, com ajuda de um conceito, sem jamais ter visto um arco ou cores, enfim, sem jamais ter visto? A psicóloga Sylvia da Silveira Nunes defendeu nesse mês tese de mestrado no Instituto de Psicologia da USP, em que avaliou o desenvolvimento de conceitos em cegos congênitos, mapeando os possíveis caminhos de aquisição de conhecimento.

A pesquisa partiu de uma dúvida de Silveira Nunes, que conviveu com cegos durante sua especialização, na Unicamp: em nenhum momento ela questionou a capacidade dos deficientes de formular conceitos, mas como se daria realmente essa estruturação? Ela procurou, então cinco instituições ligadas a deficientes visuais e escolheu sete crianças e adolescentes, de ambos os sexos e com idades entre 8 e 13 anos. Todos eram cegos congênitos, não apresentavam outras deficiências e freqüentavam escolas regulares. (A literatura especializa considera cego congênito aquele que nasceu nessa condição ou adquiriu a deficiência antes dos cinco anos de idade).

Em um primeiro momento, a psicóloga aplicou um teste desenvolvido por um pesquisador norte-americano, o teste de Kiel, que consiste em contar às crianças histórias cuja relação entre aparência e essência seja contraditória. O objetivo é verificar se as crianças estão mais atentas à essência da narração (os chamados “atributos definidores”) ou à aparência (os “atributos característicos”). Os resultados indicaram que a maioria deles tem percepção satisfatória dos conceitos, não sendo essa prejudicada pela deficiência.

Os caminhos da formação de conceitos

A formulação dos conceitos foi, então, avaliada em uma segunda entrevista semi-estruturada. Silveira Nunes pediu a eles que definissem quinze conceitos diferentes, divididos em cinco categorias: entre os concretos tateáveis estavam os manipuláveis (bola, sapato e telefone) e aqueles com pouca possibilidade de manuseio (casa, montanha e trem). No grupo dos não tateáveis havia a categoria dos passíveis de serem conhecidos por outros sentidos (música, vento e trovão) e os não passíveis (lua, nuvem e arco-íris). Finalmente, havia a categoria dos abstratos (mentira, liberdade e justiça). Essa etapa da pesquisa permitiu o mapeamento dos “caminhos ou recursos perceptivos utilizados pelos cegos na formação dos conceitos”.

Os recursos utilizados na formulação das respostas, os quais indicam os movimentos mentais que orientam os cegos no estabelecimento de conceitos, puderam ser alocados em algumas categorias principais. Algumas definições se baseavam em comportamento/exemplos: “Liberdade é quando você é libertado”; outras, em função: “O telefone serve para ligar para as pessoas”. Definições como “Bola é um negocinho redondo” remetiam a atributos físicos tateáveis e os não-tateáveis apareciam em frases como: “Arco-íris é quando o céu fica cheio de cores”. Outros conceitos, por sua vez, apelavam para a localização: “Nuvem é uma coisa que aparece no céu”. As respostas dadas indicam que as crianças e adolescentes têm plena capacidade de assimilação dos conceitos. Questionada sobre a possibilidade de os conceitos terem sido apenas decorados e repetidos (o chamado “verbalismo”), Silveira Nunes afirma ter detectado nas respostas uma apropriação adequada do conhecimento.

Mas nem todos responderam satisfatoriamente. Alguns dos avaliados não conseguiram estruturar respostas e disseram também, que muitas vezes ficavam sem fazer nada na escola. Silveira Nunes concluiu, portanto, que as limitações que se impõem aos deficiente provêm mais do meio social do que de impedimentos da própria condição física. Embora a presença de deficientes em escolas regulares seja assegurada por lei, as dificuldades são ainda grandes: despreparo dos profissionais de ensino, falta de materiais e recursos adaptados, desconhecimento sobre as reais potencialidades e limitações dos deficientes e adoção de referencial dos videntes na educação. “A realidade do cego é diferente da dos videntes e depende de uma organização sensorial diferenciada, que define uma estrutura mental diferente daquele que vê, pelo uso de outros caminhos perceptuais”, afirma Silveira Nunes.

Nesse sentido, a pesquisa deve servir para invalidar algumas crenças estabelecidas, como a da supremacia da visão no processo de aquisição de conhecimentos e da incapacidade cognitiva dos cegos. Silveira Nunes aponta para os “prejuízos vivenciados pelo cego não pelas limitações intrínsecas à própria cegueira, mas pelo empobrecimento das relações sociais que, diante de um desvio, de uma diferença, não conseguem ir além da constatação da limitação, da falta, da falha”. Ela propõe, portanto, que as deficiências sejam encaradas como condições estruturantes da identidade da pessoa, o que “não significa admitir a existência de apenas um caminho de desenvolvimento pré-determinado pela presença da cegueira”, completa.

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