São Paulo (AUN - USP) - Em sua dissertação de mestrado, a obstetra Cláudia Aguiar decidiu analisar uma questão que lhe preocupava muito desde a graduação – a assistência ao parto recebida por mulheres grávidas no Sistema Único de Saúde (SUS). Sob o título Práticas obstétricas e a questão das cesarianas intraparto na rede pública de saúde de São Paulo, a pesquisa, quantitativa, baseou-se em dados obtidos nos prontuários médicos de 158 parturientes que, apesar de encontrarem-se em situações de baixo risco, foram submetidas a cesarianas não previstas.
Cláudia explica que a cesariana pode ser caracterizada como eletiva – quando parte de uma escolha da mulher, quando a data do nascimento é marcada ou quando é identificada uma gravidez de alto risco – ou intraparto – quando durante o trabalho de parto os médicos identificam a necessidade de realizar uma cirurgia para o nascimento da criança.
A pesquisadora conta que até o início do século 20 os nascimentos aconteciam em casa, muitas vezes com a ajuda de parteiras. "No Brasil, o parto foi institucionalizado ainda na primeira metade do século passado, quando foi levado para dentro do hospital, passando a ser conduzido por médicos e, por essa razão, passando a ser visto como algo potencialmente arriscado", afirma. A gestação passa a ser classificada, então, como de alto ou baixo risco, como se não houvesse a possibilidade de uma gravidez sem risco algum.
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, como as técnicas de anestesia, mais intervenções passaram a ser aplicadas à mulher durante o trabalho de parto, e a cesariana tornou-se cada vez mais segura. No entanto, segundo Cláudia, "a partir da década de 80, percebeu-se que o excesso de intervenções traziam uma falsa sensação de segurança, porque também tem implicações".
Em 2010, o número de cesarianas realizadas no Brasil ultrapassou o de partos normais, chegando a 52,9% dos nascimentos nas redes pública e privada, segundo dados do Ministério da Saúde. Esse número está muito acima dos 10% a 15% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A pesquisadora explica que o fato de a cesariana ser tão bem aceita é parte de um fenômeno de supervalorização da figura do médico. Outro fator determinante é a falta de leitos nos hospitais públicos. Segundo Cláudia, "a mulher é internada, mas há uma demanda muito grande para liberar o leito, então são feitas várias intervenções para acelerar o parto". Esse tipo de parto, que nada tem de natural, e que é extremamente manipulado, é muito traumático para a mulher, que acaba preferindo passar por uma cesariana, apesar dos possíveis malefícios desse procedimento. Além disso, no mesmo período de tempo em que faz cinco cesarianas, um médico consegue fazer apenas um trabalho de parto. "É um procedimento rápido e rentável", afirma a obstetra. Isso denota um fenômeno preocupante, que é a mercantilização crescente dos hospitais, que seguem cada vez mais os princípios mercadológicos de produtividade e acabam desumanizados.
Apesar de ser muito importante para driblar determinadas complicações obstétricas, a cesariana dá uma falsa sensação de segurança. Entre os possíveis riscos envolvidos nesse procedimento, Cláudia destaca a síndrome da angústia respiratória, que acontece com frequência entre bebês que não tiveram o tempo necessário para maturação dos pulmões. Nesse caso, o bebê fica internado em uma Unidade de Tratamento Intesivo (UTI), o que, além de expor a criança recém-nascida a infecções hospitalares, priva mãe e filho do contato inicial, que é muito importante. Outras complicações envolvidas na cesariana incluem acretismo placentário – patologia na qual a placenta gruda na parede uterina –, infecções hospitalares, choques em função da anestesia e hemorragias. Segundo a pesquisadora, uma a cada cinco mulheres tem algum tipo de infecção decorrente da realização de uma cesariana.
Sobre essa realidade, Cláudia afirma: "A cesariana não é um parto, é uma cirurgia de grande porte, com uma incisão grande, e o organismo fica exposto a infecção". O predomínio dessa prática, segundo ela, é muito mais escancarado na rede privada, onde cerca de 82% dos nascimentos são cesarianas. "No hospital público, se espera que o médico incentive o parto normal, mas resultados da pesquisa mostraram que isso não acontece", explica. Muitos dos prontuários médicos analisados por ela na pesquisa não continham uma justificativa para a indicação da cesariana, o que denota que a motivação não foi clínica. "Não há coerência entre indicação da cesariana e o que de fato ocorrreu no trabalho de gestação e parto", observa.
Cláudia conta ainda que, apesar dessa realidade, há um movimento contra-hegemônico, de incentivo à humanização do parto, que conta inclusive com o apoio do Ministério da Saúde. Essa proposta leva em conta a necessidade de respeitar a fisiologia da mulher e permitir sua participação ativa no processo de parto, e vai contra a visão tecnocrática, hospitalocêntrica e hegemônica do parto. Segundo a pesquisadora, há diversas políticas públicas sendo adotadas nesse sentido, mas falta adesão e preparo dos profissionais, além de uma maior conscientização das mães sobre o assunto. "A mulher que engravida tem que saber suas opções", conclui a pesquisadora.