São Paulo (AUN - USP) - Os conflitos e guerras originadas pelos mais diversos motivos, como território, religião, etnia, entre outros, sempre estiveram presentes na história da humanidade. Mas é preocupante se pensar que em pleno século 21, e toda a tecnologia desenvolvida, muitos destes ainda existam. É o caso dos conflitos do narcotráfico pela América Latina, das questões separatistas na Europa, seja por religião, ou etnia, e os permanentes conflitos entre árabes e palestinos e as feridas nos diversos países africanos que custam a sarar.
De fato, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando a humanidade se viu em uma situação drástica, criou-se a Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 1945, com o objetivo de resgatar os direitos humanos e garantir o futuro das próximas gerações. Uma causa justa e bem vinda, mas que com o passar dos anos foi se provando pouco eficaz, por vezes com muitas palavras e poucas ações. E foi a respeito dessa Organização e seu contexto atual que Priscila Fett desenvolveu sua pesquisa de mestrado na Faculdade de Direito da USP, sob o título “As Operações de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas e os Direitos Humanos”, tema que segundo pesquisadora apresenta pouca produção científica no Brasil.
“A escolha do tema foi conseqüência do meu interesse em analisar as mudanças ocorridas nas operações de manutenção da paz empreendidas pela ONU, após sua a pífia atuação na Somália, Bósnia e Ruanda, na década de 1990. E ainda, poder avaliar o seu impacto no planejamento e na execução das atuais operações, no que diz respeito à sua capacitação para a promoção e a proteção dos direitos humanos em áreas de conflito”, diz Priscila.
Ela ressalta que neste período citado, a ONU foi incapaz de solucionar os conflitos e de conter o genocídio e a limpeza étnica que ceifaram milhares de vidas nesses países. Tais acontecimentos levaram a Organização a aperfeiçoar suas missões de paz, tendo como foco principal a inserção dos direitos humanos nessas operações, nos respectivos mandatos e na própria estrutura organizacional.
Essa relação entre paz e segurança, frise-se, já havia sido anunciada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que, em 1948, alçou os direitos humanos ao status de fundamento de paz, ou seja, passaram a ser quesito fundamental para se conceber tal situação.
A respeito do cenário atual e a recente atuação da ONU, são 16 as operações de manutenção da paz em andamento, em quatro continentes – desdobradas em sua maioria na África. Essas missões absorvem 75% do orçamento da Organização e atuam, na maior parte dos casos, em conflitos internos, e têm por mandato, dentre outras tarefas, a proteção e promoção dos direitos humanos.
O Brasil e a ONU
Quanto ao Brasil neste contexto, a participação nessas missões é uma forma de alcançar projeção internacional e nas palavras de Priscila, “tornar-se um player (uma peça importante) nos fóruns internacionais, reforçando a sua posição de aspirante a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU”. Além disso, é uma forma, também, de dar cumprimento às previsões do artigo 4º da Constituição Federal, o qual estabelece que o País irá reger suas relações internacionais com base no princípio da prevalência dos direitos humanos, como relembra Priscila, que em seu trabalho buscou identificar as propostas de aperfeiçoamento das operações de manutenção da paz pela ONU e como a Organização inseriu os direitos humanos em suas missões.
Priscila ainda saiu do plano teórico e selecionou uma operação de manutenção de paz em andamento para verificar se as propostas dos especialistas estão efetivamente sendo aplicadas, passando para a comprovação prática. A operação escolhida foi a Minustah, Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, que evidentemente é a que mais interessa ao Brasil no momento. Trata-se do maior contingente militar brasileiro já empregado fora do país, desde sua participação na Segunda Guerra Mundial. E, também, pelo compromisso assumido pelo governo brasileiro de reger suas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos.
E essa operação tem funcionado? Priscila confirma: “Embora tenhamos analisado apenas uma operação em andamento, através de um estudo de caso, trata-se, de acordo com a própria ONU, de uma operação bem sucedida. Isso nos dá elementos de convicção de que o disposto nos sucessivos mandatos da Minustah, e a própria estrutura da missão estejam servindo de base para outras operações no que diz respeito à proteção dos direitos humanos”.
Quando questionada sobre o futuro das relações do Brasil com a ONU, Priscila diz esperar por um aumento da participação brasileira nas missões de paz desdobradas pela Organização. Isso em decorrência da crescente projeção do país no cenário internacional. Mas, que, entretanto, a falta de consenso entre os membros permanentes do Conselho de Segurança ainda representa um sério problema para a efetividade das operações de manutenção da paz, não raramente traduzido em falta de clareza dos mandatos e dicotomia entre as necessidades e meios alocados. “Estas questões possivelmente só serão resolvidas com o aumento do número de membros permanentes no órgão, que é a posição defendida pelo Brasil”.