ISSN 2359-5191

14/11/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 110 - Educação - Instituto de Psicologia
Comunidades quilombolas ainda são afetadas pelo racismo institucional

São Paulo (AUN - USP) - O racismo e suas implicações no meio social de uma comunidade quilombola foram estudados em pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP. A comunidade Maria Rosa está situada no município de Iporanga, no Vale do Ribeira, São Paulo, há mais de 300 anos e atualmente é composta por 15 famílias e cerca de 60 membros. Em 2001, ela recebeu a titulação jurídica de quilombo e com isso ganhou uma série de direitos e proteções da legislação. Contudo, os membros do grupo ainda se sentem inseguros, sendo o racismo um dos principais motivos dessa vulnerabilidade.

A pesquisa foi conduzida pela psicóloga Eliane Silvia Costa, que diz que o racismo é o tema central do trabalho. “Há desigualdades entre as condições de vida dos brancos e dos negros. Há diferenças econômicas, no acesso a bens e serviços, incluindo o âmbito fundiário, educacional, da saúde pública, entre outros. Trata-se de racismo institucional, em que os mecanismos de discriminação estão postos na estrutura social.”

No quilombo, a abordagem acontecia por meio de entrevistas. A ideia inicial era entrevistar individualmente, mas de maneira geral acabaram acontecendo em grupo. “O campo de pesquisa te propõe caminhos e você se adapta a eles. As entrevistas em grupo foram muito mais proveitosas.” As conversas aconteceram espontaneamente, a partir de duas perguntas básicas: qual a história da comunidade e como foi o processo de titulação das terras quilombolas.

A aproximação com a comunidade veio por intermédio da fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que apresentou Eliane a uma moradora do quilombo, Levina, considerada uma liderança na comunidade. A intermediação da Fundação Itesp foi crucial para que os moradores aceitassem a presença de uma pessoa externa, que estava lá com o objetivo de entrevistá-los. De maneira geral, eles têm receio de pessoas estranhas. Isso porque historicamente passaram por processos de opressão ligados ao racismo e ao fato de serem rurais.

O discurso do racismo estrutura a nação e perpassa a vida de todos, no quilombo e fora dele, mas cada um, cada família, cada grupo social utiliza diferentes mecanismos conscientes ou inconscientes para mantê-lo, contorná-lo, recusá-lo ou enfrentá-lo. “Enfrentar o racismo requer pensamento crítico e diário. Requer estratégias ligadas às esferas jurídico-política, sociocultural e subjetiva”, diz ela.

Processo de titulação 
Para receber o título de Quilombo, a comunidade tem de pleiteá-lo junto a um órgão público responsável, no caso do Estado de São Paulo essa atribuição é da Fundação Itesp. Em seguida, inicia-se um processo de reconhecimento antropológico, em que se estuda a comunidade para ver se suas origens são mesmo quilombolas, ou seja, se a comunidade tem uma ascendência negra escravizada e se mantém um vínculo histórico com o local onde está situada. Para, depois, iniciar o processo jurídico em que será ajuizado o título de quilombo.

O processo do Maria Rosa foi mais fácil porque toda sua extensão se concentrava em terras devolutas, pertencentes ao Estado de São Paulo. Em muitos casos, parte do terreno pleiteado pelos quilombos está em território em litígio, por exemplo, por causa de processos de proprietários particulares ou órgãos públicos que se dizem os verdadeiros donos do local.

Políticas públicas
A pesquisa concluiu que o Quilombo Maria Rosa necessita de políticas públicas que se valham da questão racial na sua estruturação. É preciso que se fale sobre o racismo entre eles, assim como que sejam contempladas histórias de resistências do povo negro. “Quase tudo ainda precisa ser desenvolvido no quilombo em questão: educação, saúde, transporte... E tudo isso tem a ver com o racismo. Por isso, é preciso que se construa um debate sobre essa temática, para que eles desenvolvam dispositivos políticos e psíquicos para lutarem por seus direitos mais prontamente.”

Uma das maiores reivindicações é a melhoria nas estradas. “Eles têm de ter o direito do livre trânsito a qualquer hora.” Os quilombolas querem ter seu direito de ir e vir resguardado, ainda que morem em uma comunidade distante da cidade. Quando chove a estrada fica alagada e eles ficam ilhados.

Além disso, a maior fonte de sustento da comunidade é a roça de coivara, um tipo de plantio que se utiliza de queimadas e derrubada da mata nativa. Isso foi proibido por caracterizar um dano ambiental. Porém, essa é uma prática secular do grupo, que faz parte da sua tradição cultural. “Não terem essa prática legitimada faz com sejam considerados transgressores, valendo a máxima de que o negro está sempre fazendo algo errado”. Eles convivem com o receio de que órgãos públicos ambientalistas a qualquer momento venham repreendê-los. “Essa é uma prática cultural deles, que não deve ser considerada da mesma maneira que a derrubada de matas para o agronegócio”. Ainda segundo ela, são nesses pontos que o discurso bem articulado pode trazer benefícios para a comunidade.

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