ISSN 2359-5191

14/11/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 110 - Saúde - Faculdade de Saúde Pública
Pesquisa da Saúde Pública discute a relação de jovens com o tráfico de drogas

São Paulo (AUN - USP) - Em sua tese de doutorado, Paulo Artur Malvasi realizou um estudo etnográfico acerca de jovens moradores da periferia de São Paulo, discutindo questões como a violência, o crime, o tráfico de drogas e a estigmatização da população pobre.

Graduado em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Malvasi iniciou sua trajetória acadêmica com uma pesquisa de iniciação científica sobre crianças e jovens em trânsito para a rua, sob orientação do professor Rubens Adorno. No mestrado, em antropologia social, observou a realidade de jovens carentes das periferias de São Paulo que, apesar de usufruírem dos trabalhos sociais desenvolvidos por ONGs, retornavam às atividades ilícitas pela dificuldade de resolução de questões materiais. Em seguida, Malvasi iniciou o doutorado na Faculdade de Saúde Pública, período em que desenvolveu a tese intitulada Interfaces da Vida Loka: um estudo sobre jovens, tráfico de drogas e violência em São Paulo. Com um histórico de trabalhos em ONGs e projetos sociais, ele conta que teve facilidade em aproximar-se do grupo de jovens que observou. Durante 2,5 anos, o pesquisador esteve em contato direto com essas pessoas. "Buscava conhecer a dinâmica deles, com o compromisso de não discrimar", afirma.

Em seu trabalho, Malvasi investigou a área de contato entre três conceitos: a quebrada – dimensão territorial –, o crime – em especial o tráfico de drogas, que configura um ambiente de mercado, com práticas específicas – e o socioeducativo – sistema governamental organizador de discursos e tecnologias para atender aos adolescentes infratores. Inseridos no contexto da quebrada, os jovens observados por Malvasi convivem diariamente com o comércio varejista de drogas ilícitas e, paralelamente, com uma intensa ação repressiva do Estado, que, somada aos discursos correntes sobre o crime, reforça a discriminação e a estigmatização por meio de uma "associação geral entre favela, periferia, violência, crime e juventude".

O autor afirma que, apesar do crescente investimento na repressão ao consumo e à venda de drogas, esse mercado vem se fortalecendo. "O preço da cocaína, do crack e da maconha não aumenta há mais de 15 anos", comenta. Enquanto isso, o número de jovens internados na Fundação Casa (antiga Febem) por tráfico de drogas aumentou de 17%, em 2006, para 33,5%, em 2010, segundo dados apresentados pelo pesquisador. "Toda a política de guerra às drogas tem mais ampliado o problema do que diminuído", explica.

Apesar da existência de um discurso dominante que estigmatiza os jovens envolvidos com o tráfico de drogas como pessoas de “índole má”, Malvasi conta que percebeu, ao longo de suas pesquisas, que a maioria desses jovens convivem normalmente com outros que não estão envolvidos nessas atividades. Ele afirma que não é possível distinguir uma “natureza humana má”, ao contrário do que pregam os defensores do encarceramento massivo e da estigmatização de criminosos como indivíduos desqualificados e esvaziados de valores. Tal fato denota, segundo ele, que “o jovem que está ou que não está no crime muitas vezes é movido pelo acaso”. Os indivíduos que atuam nesse mercado não são necessariamente violentos, mas encontram ali uma possibilidade real de obtenção de renda. Tal postura é difícil de questionar em uma sociedade onde o consumo é o valor mais importante. "Ele [o jovem traficante] está fazendo uma escolha para gerar uma renda, está correndo risco para isso", esclarece.

Malvasi ressalta que o conceito de crime é muito distorcido em nossa sociedade: "Crime são muitas coisas diferentes, da corrupção à lavagem de dinheiro, à sonegação do imposto. O crime está espalhado na sociedade como um todo, mas há uma informação muito falsa de que na periferia tem mais bandido". Ele explica que, nesses espaços, há um índice de desemprego muito maior, a desigualdade de oportunidades é muito mais evidente e os serviços do Estado chegam de forma muito precária. Tais condições possibilitam que o mercado do tráfico conquiste um grande número de jovens para atuar nele. Sem se sobrepor à lógica da comunidade local, essa atividade passa a compor economicamente a vida do bairro.

O pesquisador reconhece essa temática como uma verdadeira questão de saúde pública, à medida que os jovens envolvidos com o tráfico varejista ficam expostos a condições precárias de trabalho e à violência constante. Além disso, ele explica que é preciso "identificar como variáveis culturais, econômicas, sociais e humanas impactam na saúde das populações". Levando em conta que os homicídios são hoje a maior causa de morte de jovens no Brasil, esse tipo de estudo torna-se fundamental, e possibilita o desenvolvimento de novas políticas, pautadas na realidade vivenciada por esses indivíduos. Malvasi explica que poucas pesquisas sobre esse assunto buscam ver "o lado" dos jovens envolvidos em atividades ilícitas. "É fundamental para os serviços de saúde e programas como o socioeducativo compreender a perspectiva do ator social."

Malvasi ressalta ainda que "existe um processo histórico de ênfase do Estado em políticas punitivas que substituem e se sobrepõem às políticas sociais". Além da omissão dos governantes, o problema da repressão policial e da estigmatização social marca a vida naquebrada. A mídia – e, em especial, a imprensa tradicional e hegemônica, que atua sempre em defesa dos interesses e discursos das classes dominantes – contribui muito para a manutenção da negligência e da crescente opressão sobre a população pobre. Segundo o pesquisador, a "repressão ao tráfico de drogas é carro chefe de criminalização de setores mais pobres da sociedade", um fenômeno extremamente evidente, mas pouco discutido pela sociedade em geral.

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