São Paulo (AUN - USP) - Ao longo dos últimos quatro anos um assunto vem sendo explorado diariamente, ao redor do globo: a recessão mundial, oficialmente iniciada no segundo semestre de 2008. Desde então, países do Mediterrâneo, como Portugal, Grécia e Espanha, bem como a Irlanda, mais ao norte, têm sofrido com pesados prejuízos econômicos. Apesar da freqüência com que o assunto aparece em nossos noticiários, alguns tópicos não têm sido tratados pelos jornalistas; foi um desses assuntos que serviu de tema para um evento realizado Faculdade de Saúde Pública.
Batizado de “A crise econômica européia e as repercussões nos sistemas de saúde”, o evento foi ministrado, no dia 21 de novembro, pelo professor espanhol Luis Andrés Lopez Fernandez, da Escuela Andaluza de Salud Publica, que focou sua apresentação na situação de seu país.
Ao longo de sua palestra, Fernandez fez questão de tecer um panorama histórico do sistema espanhol de saúde, para então apontar as alterações que têm sido empregadas pelo governo, que tenta reduzir os gastos estatais a qualquer custo.
“Nunca houve na Espanha uma diferença tão grande entre os salários dos ricos e dos pobres”, começou o professor, relembrando a historicamente baixa desigualdade social no país. São muitos os fatores que vêm contribuindo para o desenvolvimento do cenário atual: aumentos na dívida do Estado, alta taxa de tomadas de empréstimo por famílias sem que haja condições de quitação do valor, falências de empresas, acentuado crescimento no número e na intensidade das greves, crescimento negativo. “O que nos deixa impressionados”, disse Fernandez, “é a velocidade com que tudo isso tem acontecido”.
Além disso, por adotar o Euro, a Espanha não pode mexer no valor de sua moeda, o que obrigou o Estado a cortar gastos por meio de demissões massivas e cortes salariais. Como uma onda, os efeitos da atitude do governo varre toda a economia do países, que atualmente tem quase metade de sua população menor de 25 anos sem emprego (em 2006, a proporção era de 17,9%). Para pior, 10% do povo espanhol não tem sequer uma pessoa empregada na família. Do outro lado, aqueles que estão empregados são obrigados a aumentar sua jornada de trabalho enormemente. Os médicos do serviço público, por exemplo, passaram de uma jornada de 17 para 40 horas de trabalho por semana.
São muitas as conseqüências que podem ser notadas em países que passam por recessões. De modo direto, é possível apontar como efeitos colaterais aumentos na quantidade de suicídios, bem como um crescimento no número de pessoas que deixam de visitar médicos e passam a se automedicar. No caso específico da Espanha, diz o professor, “os efeitos ainda não estão claros”.
O que tem ocorrido no país são cortes sucessivos no orçamento do Estado para a saúde, e o sistema do país, que dava direito tratamento médico gratuito a todos que estivessem em território espanhol, tem sido progressivamente alterado e reduzido. Menos de uma década atrás, por exemplo, mesmo os imigrantes ilegais do país podiam receber assistência hospitalar, sem que fosse obrigatório para os médicos denunciar a irregularidade na situação do paciente, como é regra na Alemanha.
Com a necessidade de reduzir as despesas do Estado, foi decidido pelo governo que imigrantes sem permissão de residência não mais teriam direito de se tratar gratuitamente, regra que já afeta entre 150 mil e 300 mil pessoas. A seguir, para piorar o quadro citado mencionado acima, todos aqueles com 26 anos ou mais, e que nunca tiveram um trabalho, também teria seu direito a assistência cortado. Hoje, é preciso ser inscrito na Previdência Social e ser um contribuinte para estar em direito a receber tratamento público.
“Os imigrantes sem permissão de residência foram apenas os primeiros que perderam o tratamento de saúde”, anunciou ainda o professor, apreensivo em relação a aumentos nos impostos e ainda mais cortes e alterações no sistema.