São Paulo (AUN - USP) - A planta Mikania glomerata Sprengel, popularmente conhecida como guaco, é muito utilizada como fitoterápico para o tratamento de doenças como asma e bronquite, e até para melhorar a tosse. É uma planta de ampla difusão no Brasil, mas na maioria dos casos é usada sem prescrição médica. No entanto, está presente no guaco a substância cumarina que por funcionar como anticoagulante poderia provocar problemas em quem ingere altas doses do fitoterápico. Esses foram os motivos que incentivaram a bióloga Camila Figueira Mendes a desenvolver sua dissertação de mestrado intitulada Efeito do extrato de Mikania glomerata Sprengel (guaco) sobre a implantação e o desenvolvimento embrionário e placentário em camundongos. A pesquisa foi realizada no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e o objetivo principal foi revelar se a administração do guaco pode comprometer o feto e a placenta, durante a gravidez, e se causa efeitos tóxicos na mãe.
As plantas usadas na pesquisa foram fornecidas pelo Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp. Camila fez um extrato de guaco, com álcool e água. A administração da droga foi em dois períodos gestacionais. Uma dosagem foi entre o 7º e o 11º dia porque é o período em que os órgãos estão se formando - em humanos corresponde ao terceiro e quarto mês de gestação. E a outra foi todos os dias entre o 14º e 18º que é quando o feto cresce e ganha peso. “Queria avaliar se o guaco interferia enquanto o animal estava sendo formado e depois se interferia quanto ao crescimento”, explica Camila.
A administração da droga foi de acordo com valor recomendado de guaco, dosagem terapêutica, que é de 0,03 miligramas por grama de peso corporal. Além da terapêutica, foram feitas duas dosagens supra-terapêuticas: uma 10 vezes maior que o recomendado, 0,3mg/g, e outra 20 vezes maior, 0,6mg/g. As amostras se constituíram de 80 camundongos, sendo 30 com administrações do 7º ao 11º dia, cada 10 com uma dosagem diferente, 30 com administrações do 14º ao 18º, também com as três dosagens, e os outros 20 eram animais controle que não tiveram o extrato de guaco injetado. A gestação do camundongo dura em média 20 dias, então no 19º as fêmeas foram sacrificadas e os fetos retirados, de acordo com as normas do Comitê de Ética.
Depois de sacrificadas, foram feitas avaliações com as mães para verificar se o guaco estava sendo tóxico para elas. Ocorreu também uma análise de desempenho gestacional, para avaliar quantos animais ela estava gerando. O feto, a placenta e os ovários foram pesados e medidos para averiguar a interferência desse extrato no peso e tamanho. Para verificar quantos animais foram perdidos durante a gestação e quantos filhotes seriam saudáveis, foram calculados índices reprodutivos. “Isso foi feito para analisarmos o que o guaco provoca”, conta Camila.
Diminuição do crescimento
O guaco provocou a restrição do crescimento placentário e fetal, as análises do peso e do comprimento indicaram um tamanho menor. Isso foi observado nas três dosagens, com mais evidência na de 0,6mg/g. As alterações placentárias observadas e maiores de acordo com a dose, podem ter influenciado no crescimento. A placenta é o órgão responsável pelas trocas gasosas e de nutrientes entre mãe e feto. Por não estar com suas estruturas perfeitas devido a essas alterações, o oxigênio e os nutrientes podem não ter chegado no feto na quantidade ideal.
Outra conclusão foi com relação ao desempenho gestacional. Nas fêmeas tratadas com as dosagens supra-terapêuticas ele diminuiu, houve a gestação de menos fetos. Isso aconteceu principalmente nas amostras tratadas do 14º ao 18º dia, que é o período de crescimento. A cumarina pode ter tido influência na perda fetal, porque durante a gestação é preciso que haja coagulação, caso contrário, ocorre o aborto. Como a cumarina é anticoagulante, ela pode ter provocado essa perda.
Nas fêmeas e nos ovários não foi constatado nenhum efeito significativo. Porém, o guaco interferiu em estruturas fetais e na placenta, inclusive em doses consideradas terapêuticas, o que mostra que ele pode provocar um insucesso gestacional. Esses resultados são um alerta para o uso inadvertido do guaco sem acompanhamento médico devido.
Para Camila, esses dados com camundongos são um pontapé inicial para futuras pesquisas no assunto, como, por exemplo, um estudo epidemiológico com pessoas que consomem guaco constantemente. “Tudo isso pode, dependendo da dosagem, vir a acontecer em humanos”, acredita a pesquisadora. Ela alertou também para o fato de que os xaropes produzidos com guaco não são padronizados quanto às doses. Como não existe uma lei para regulamentar há alguns com quantidades absurdas e outros com pouca. Para ela, com a padronização e com o acompanhamento médico os danos podem ser evitados, assim como o consumo de guaco.