São Paulo (AUN - USP) - A decisão do presidente russo Vladimir Putin de enviar ao Parlamento o projeto para ratificação do Protocolo de Kyoto foi indispensável para a sobrevivência desse acordo. Saindo finalmente do papel, o documento impulsiona mais discussões a respeito das mudanças no clima do planeta, voltando a ter um lugar de destaque na agenda internacional. “Esse tratado fisicamente não resolve o problema, mas é um passo político muito importante”. Esta é a opinião do astrogeofísico Luiz Gylvan Meira Filho, professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).
O acordo é o primeiro passo na implementação da Convenção Quadros – assinada, por mais de 150 países, durante a ECO-92, que se comprometeram a estabilizar as concentrações de gases-estufa (como o CO2 e o N2O) na atmosfera. O protocolo é um acordo internacional em que os países desenvolvidos deveriam reduzir em 5,2%, entre 2008 e 2012, a emissão desses gases, em relação aos níveis de 1990.
Embora seus efeitos práticos sejam limitados, o tratado é significativo “porque sinaliza que todos os países estão levando o problema das mudanças climáticas a sério”. Segundo o professor, a questão é de longo prazo, mas, com o aumento da concentração de poluentes, é preciso agir rápido.
Meira Filho tem um projeto de pesquisa no IEA, chamado “Atribuição de causa e decisão ótima na mudança global do clima”. Neste estudo, o professor aponta três opções políticas para a questão das alterações climáticas: inação, ou seja, aceitar as mudanças no clima e arcar com seus danos (por exemplo, derretimento de geleiras); mitigação, em que a única forma para se evitar transformações seria não se emitir tantos gases na atmosfera, e adaptação, ou seja, se ajustar às mudanças (como uma contenção da subida dos mares por meio de diques). “A grande discussão é o quanto se pode fazer de adaptação, de mitigação e, também, inação”, completa.
Realismo norte-americano
O professor do IEA acredita que a adesão russa ao Protocolo jogará pressão sobre a Casa Branca. Alguns Estados norte-americanos já adotam certas medidas. A Califórnia aprovou a limitação da emissão de poluentes nos automóveis, que deverá influenciar toda a indústria automobilística do país.
Para o professor, mesmo se o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, John Kerry, vencesse as eleições de 2 de novembro, o país não teria condições de reduzir suas emissões, já que elas só cresceram desde 1990. “O que pode acontecer é, em termos de legislação, um papel mais ativo no controle das emissões. Mas hoje, não há como cumprir a meta estabelecida em Kyoto. Não se trata de uma questão política, mas de um problema natural”. A tendência, para os próximos anos, seria da coexistência de dois tipos de regimes no mundo: o de Kyoto (sem os norte-americanos) e outro, nos Estados Unidos.
Decisão política
Como eram necessárias ratificações por pelo menos 55 países – que respondam por 55% das emissões de gás carbônico dos países industrializados –, essa meta só poderia ser atingida com a adesão da Rússia. Apesar de algumas críticas internas, como a de que o Protocolo prejudicaria a meta do governo russo de dobrar o Produto Interno Bruto em 10 anos, o Kremlin tomou uma medida que lhe trará dividendos políticos. Com maioria no Parlamento, o Protocolo de Kyoto estará salvo do fracasso, e Putin apagará um pouco sua imagem negativa perante a opinião pública no Ocidente.
Esta decisão histórica de ratificar o acordo abre caminho para mais discussões internacionais. Atual presidente do G-8 (os sete países mais ricos do mundo mais a Rússia), o premiê britânico Tony Blair declarou que priorizará a questão climática no próximo encontro do grupo, no ano que vem. A reunião promete ser ambiciosa, já que em pauta estará a avaliação do quanto será preciso para a redução dos níveis de poluentes no mundo. Com as recentes notícias de que esses níveis cresceram mais do que o esperado pelos cientistas, haverá muita expectativa sobre o que poderá ser debatido pelo G-8.