São Paulo (AUN - USP) - Em um panorama em que se comenta superficialmente, e até se evita abordar este tema difícil inclusive para quem escreve sobre, o que dirá para estudá-lo a fundo, Henrique Moraes Prata lançou a si mesmo este desafio, em sua tese “Enfermidade e infinito direitos da pesonalidade do paciente terminal”, sob orientação da professora Silmara Juny de Abreu Chinellato, da Faculdade de Direito da USP.
“O tema foi escolhido por eu sempre ter tido interesse em questões de fim de vida e perceber que as discussões atuais se centram no binômio eutanásia (antecipação da morte para evitar sofrimento)-suicídio assistido, não privilegiando cuidados em fim de vida.”
Outro ponto de trabalho em sua pesquisa foi o acesso à literatura estrangeira sobre o tema, que de acordo com o pesquisador é vastíssima. Da mesma forma, a necessidade de reflexão e amadurecimento sobre o tema exigiram uma grande dedicação sobre as questões que estava enfrentando na tese. “Pessoalmente, a elaboração do texto foi uma fase muito introspectiva e a medida que fui aprofundando minhas pesquisas pude concluir que os cuidados paliativos efetivamente representavam uma tutela plena dos direitos da personalidade dos pacientes terminais.”
Em outras palavras, Prata pode confirmar que no caso dos pacientes terminais, os cuidados chamados paliativos, ou seja, ações dos médicos que visem cuidar e não necessariamente insistir no curar um paciente já sem perspectivas, é uma forma de garantir a dignidade daqueles que se encontram nesse estado.“Defendo cuidados paliativos como tutela ideal dos direitos da personalidade do paciente terminal, no momento em que há um agravamento da condição do paciente a alteração dos cuidados curativos para paliativos, do curar para o cuidar.” O direito geral da personalidade admite a proteção das caracterísitcas que distinguem cada ser humano vivo, em todas as situações em que esta estivesse em risco. No Brasil, isso estaria assegurado pelo princípio da dignidade humana, no qual todo ser humano deve ser dotado de dignidade e livre para o desenvolvimento de sua personalidade, de forma que os cuidados paliativos são, nesse aspecto, medidas que visam melhorar a qualidade de vida desses pacientes e seus familiares, através da prevenção e alívio do sofrimento que envolvem sintomas não só físicos, mas, também, psicossociais e espirituais.
Do curar para o cuidar
Em busca do caminho para chegar à proteção geral da personalidade, Prata examinou alguns direitos especiais que emergem ao final da existência humana, como o próprio direito à morte em momento natural. “O curar e o cuidar em pacientes gravemente enfermos e terminais não deve se reduzir à simples obstinação prognóstica e terapêutica, visão reducionista que relaciona tratar a doença a um investimento no prolongamento estéril da vida humana”, defende Prata, que apresenta uma perspectiva jurídica inovadora para a enfermidade e para a vivência dessa condição, do ponto de vista de pacientes terminais, cuidadores e equipes de saúde. Segundo o pesquisador, se faz necessária uma mudança do paradigma atual de cuidados de saúde em fim de vida também na esfera jurídica, com a aceitação, na escolha terapêutica, da naturalidade do evento morte ao final da existência: da quantidade para a qualidade da vida que resta.
Além da regulação de diretivas antecipadas de vontade, instrumento que visa assegurar a vontade do paciente terminal em morrer com dignidade, é reconhecido que todo tratamento deve levar em conta fatores de qualidade de vida particulares a fim de que sejam estabelecidos os mais adequados para tratá-lo em sua plenitude como pessoa e não apenas como um quadro físico de sintomas.
Assim, a ortotanásia, a morte pelo seu processo natural, ao invés de prolongá-la artificialmente, o que é chamado de distanásia, é um conceito referente aos cuidados paliativos, que além de sua regulação pela legislação administrativa já existente, seria importante se fazer presente também para a legislação como um todo. “O Código Civil de 2002 traz direitos da personalidade e alguns deles relacionados a direitos que poderíamos considerar dos pacientes, mas esta tutela é insuficiente na forma como ali está. Daí o motivo de defendermos um direito geral da personalidade, pois ainda que se elencassem inúmeros direitos o elenco não seria exaustivo nem ofereceria a tutela necessária.”