Um dos campos científicos que mais gerou descobertas nos últimos 60 anos pertence à biologia. Esta é a chamada biologia molecular, conhecida jocosamente entre os cientistas como a união da física e da química na tentativa de resolver alguns questionamentos da biologia sobre o funcionamento das estruturas moleculares. Esse campo científico teve um período de grandes descobertas entre 1940 e 1965 baseadas na identificação da expressão gênica.
A expressão gênica, por sua vez, é definida como o processo pelo qual a informação hereditária contida em um gene (a sequência de DNA, por exemplo) é processada em um produto gênico funcional, tal como proteínas ou RNA. Durante muitos anos, achava-se que este evento aleatório e incontrolável. Agora a Matemática bate à porta da Biologia para provar o contrário e tentar ajudar nesse controle.
Na última sexta-feira, o Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) recebeu o professor Guilherme Innocentini, da Universidade federal de São Carlos (Ufscar), que ministrou o “Colóquio de Análise do Ruído Transcricional na Expressão Gênica: Multimodalidade, Autorregulação e Regulação Externa”, organizado pelo Departamento de Matemática Aplicada (MAP). No evento, o palestrante definiu os conceitos biológicos que fazem parte do título do Colóquio e explicou porque o modelo matemático (baseado em equações estocásticas) pode ajudar a biologia a entender essa nova questão.
O ruído transcricional é a diferença entre a quantidade de tipos de moléculas que produzem proteínas pela célula e a quantidade total desses tipos de moléculas existentes. “Esse fenômeno é intrínseco ao processo molecular das células eucariotas”, disse Innocentini. “A pesquisa caracteriza esse fenômeno como estocástico porque se sabe que o número de moléculas produtoras de proteínas é pequeno (de 10 a 12, variando para um máximo de 15 em algumas partes do corpo), mas, como o tamanho das células é muito pequeno, não se sabe quantas e quais moléculas serão absorvidas, só se sabe a probabilidade de serem absorvidas”. O ruído que afete algumas poucas moléculas prejudica muito o desenvolvimento da célula, devido ao decréscimo percentual no número de proteínas produzidas.
A partir das probabilidades definidas, faz-se uso de equações-mestras (definidas para calcular uma distribuição de probabilidades que determina algo) para, na observação da quantidade de mRNA produzido dentro da célula, se o gene está em seu “estado ligado” ou no “estado desligado”. A diferença entre eles está no fato de que o “estado desligado” apresenta algum tipo de fator repressor (ou fator de transcrição, como alguns biólogos chamam) que impede que toda a molécula mRNA polimerase seja transcrita em mRNA, que produz as proteínas. “O problema é que existem vários tipos de fatores repressores, o que caracteriza uma multimodalidade”, disse Innocentini. “O menor tipo de multimodalidade seria: gene com fator repressor A, gene com fator repressor B, gene com os tipos de fator e gene sem fator repressor”, complementou.
Isso afeta a autorregulação e a regulação externa dos genes. A autorregulação se dá quando a proteína produzida por um gene regula a atividade do próprio. Já a regulação externa se dá quando a proteína produzida por um gene regula a atividade de outro gene. Essa regulação pode ser positiva (aumenta a produção da proteína) ou negativa (diminui a produção da proteína), o que caracteriza o feedback estudado em biologia. “O que o modelo estocástico descobriu é que numa multimodalidade, a diminuição dos efeitos do ruído transcricional é proporcional à autorregulação positiva do gene, pois esta aumenta demasiadamente a produtividade da transcrição de moléculas mRNA polimerase, aumentando, assim, a quantidade de proteína produzida nas células. Mas, infelizmente, estes são, por enquanto, resultados teóricos não comprovados experimentalmente”, complementou o palestrante.