ISSN 2359-5191

21/10/2004 - Ano: 37 - Edição Nº: 15 - Educação - Escola de Educação Física e Esporte
Esporte competitivo interfere na formação da cidadania

São Paulo (AUN - USP) - No contexto esportivo, atividades educacionais que deveriam estimular valores de solidariedade, autonomia e cooperação, acabam sendo dirigidas para a alta performance, gerando ambientes nos quais o que vale é a superação do adversário e o individualismo.

Isto é o que a pesquisadora Paula Korsakas observa em seu trabalho intitulado “O clima motivacional na iniciação esportiva: um estudo sobre a prática pedagógica e os significados de esporte e educação”, dissertação de mestrado apresentada na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, em 2003.

A autora ressalta a enorme visibilidade e consumo que o universo esportivo profissional atrai sobre si, cristalizando certa visão de esporte que influencia educadores e alunos, o que atrapalha os processos educativos.

A distinção fundamental que Korsakas faz é entre a atividade orientada para a performance e a orientada para o aprendizado. Na primeira, o praticante se compara aos demais, buscando superá-los a qualquer custo, mesmo através de “trapaças”, e o resultado final é o que importa. Já na atividade voltada para o aprendizado, a ênfase não está no resultado final nem na comparação de desempenhos, mas sim na auto-superação e na evolução de habilidades. Neste caso, o sujeito desenvolve a autonomia, percebendo-se como indivíduo único, mas pronto a cooperar com outros participantes que também têm sua individualidade.

O exercício da cidadania liga-se com a orientação ao aprendizado, já que desenvolve o respeito às limitações de cada um, valoriza as potencialidades e tem as práticas pautadas sobre atitudes éticas em relação ao adversário. Mas não é a atividade em si que determina o viés motivacional, e sim a atitude perante o esporte e a educação.

Os educadores e alunos, acostumados a ver a prática esportiva apenas sob o ângulo apresentado pela imprensa, acabam reproduzindo os mesmos problemas do esporte profissional. Korsakas aponta que as transmissões e notícias esportivas estão recheadas de violência entre jogadores, insultos a árbitros, doping, partidas ganhas no “tapetão”, entre outros casos. Não surpreende que, igualmente, técnicos maltratem membros da equipe, as crianças aprendam a agredir seus adversários e os pais se fixem na idéia de que seus filhos devam ser melhores que os filhos dos amigos, vizinhos, irmãos. A solidariedade e o respeito, muitas vezes, têm sua importância diminuída na vida dos jovens que iniciam práticas esportivas.

A autora lembra que o esporte pode refletir a maneira como as pessoas se relacionam com o mundo. “Além disso, ao mesmo tempo em que é visto como uma reprodução das nossas relações sociais representa uma possibilidade concreta de transformá-las”, completa.

Segundo Korsakas, a orientação para a performance educa a criança para enfrentar o mundo como está, somente se adaptando a ele. Tal postura reforça o status social e pode afetar negativamente a auto-estima dos alunos, além de afastar muitos deles da atividade esportiva. Dados indicam que cerca de 80% dos jovens abandonam o esporte até os 17 anos, sendo que o pico deste afastamento ocorre com crianças na faixa de 11 a 13 anos.

Já a orientação para o aprendizado forma pessoas com compromisso social de construção e transformação da realidade, através do desenvolvimento individual que valoriza a si mesmo e aos outros em sua diversidade. O que importa, neste clima motivacional, é percorrer trajetos e não comparar o quanto se consegue estar à frente dos demais.

Seu estudo se baseou na observação de três educadores, estudantes do curso de Esporte, e seus respectivos alunos, que faziam parte da Escola de Formação Esportiva (EFE). As crianças, entre sete e dez anos de idade, de ambos os sexos, foram filmadas junto com os monitores, durante doze dias de atividades, e as fitas foram analisadas posteriormente.

A pesquisadora apurou uma série de comportamentos e gestos dos educadores que denotam autoritarismo, exposição pública dos erros das crianças, valorização da performance acima do aprendizado e descaso com relação aos alunos mais lentos. Isto demonstra que eles enfatizavam a orientação para a performance mais do que para o aprendizado.

A autora visualiza o “esporte do futuro”, no qual um gol de uma das equipes será comemorado por ambos os times. “O esporte é uma manifestação cultural e, como tal, carrega nossos valores e crenças. É uma atividade essencialmente humana e para que possamos modificá-lo, o único caminho que vislumbro é a transformação humana”, afirma Korsakas. Assim, de acordo com a estudiosa, as práticas esportivas poderão ter o papel de contribuir, junto a outras práticas sociais, para a concretização da década da Cultura da Paz, decretada para os dez primeiros anos do século XXI, pela Unesco.

Paula Korsakas é professora da Faculdade de Educação Física da Universidade Mackenzie e coordenadora do Projeto Esporte Talento/CEPEUSP – Programa Educação pelo Esporte na USP. Além disso é membro do site Interação ( http://www.interagir.com.br), que aborda temas sobre Esporte e Psicologia.

Mais informações:
E-mail: paula@interagir.com.br
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