ISSN 2359-5191

23/04/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 8 - Sociedade - Faculdade de Direito
Tese propõe prostituição como relação de trabalho

A análise da prostituição como uma relação de emprego foi o tema que o professor Renato de Almeida Oliveira Muçouçah, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), escolheu para sua tese de doutorado, “Trabalhadores do sexo e seu exercício profissional: um enfoque pelo prisma da ciência jurídica trabalhista”, defendida no início de abril, na Faculdade de Direito da USP. O assunto é polêmico e falar de prostitutas (e prostitutos, pois homens também se prostituem) como profissionais que têm no próprio corpo uma mercadoria não é comum e, em muitos casos, nem mesmo aceito.

A falta de literatura sobre esse ponto foi justamente um dos motivos que levou Muçouçah a escolhê-lo como objeto de pesquisa. Em seu campo de atuação, o direito do trabalho, há pouco espaço para o ineditismo, um dos requisitos para a elaboração de uma tese de doutorado. “A prostituição, desde há muito, já é conhecida”, afirmou ele, na defesa do trabalho. “Não é, portanto, uma novidade o que nós estamos apresentando. Só que é inédita a forma como nós tentamos mostrar o trabalhador do sexo”. O professor, aliás, destaca a importância de usar termos como profissional ou trabalhador do sexo, uma vez que a palavra prostituta, geralmente usada só no feminino, denota que a venda dos prazeres sexuais é uma atividade exclusiva das mulheres, o que é falso.

De acordo com o professor, a visão moralista da prostituição começou com a burguesia em ascensão nos séculos 18 e 19 e seu pensamento vitorianista. Antes disso, e ele cita como exemplo a Grécia e a Roma antigas, a atividade conhecida por muitos como “venda do corpo” era encarada com mais naturalidade do que hoje, no mundo dito moderno. “Santo Agostinho dizia que a prostituição era o menor dos males”, aponta Muçouçah. “Se fosse proibida, a sociedade acabaria”.

No Brasil, a ocupação “profissional do sexo” foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2002, quando foi incluída na Classficação Brasileira de Ocupação (CBO). Aqueles que exercem a prostituição de subsistência (livre, ainda que motivada por motivos econômicos) ou de luxo se enquadrariam nessa classificação. O que Muçouçah defende em sua tese é o reconhecimento dessas atividades como relações de emprego, que, assim como outras profissões, devem ser regulamentadas de acordo com suas especificidades. A prostituição de exploração, essa sim, é aquela rigorosamente ilegal.

As chamadas casas de prostituição também deveriam ser descriminalizadas, para o professor. A criminalização de quase tudo que envolve a prostituição provoca uma diminuição da liberdade do profissional do sexo, segundo ele. A reforma no Código Penal efetuada em 2009, que muda, entre outros artigos, o que se refere aos prostíbulos, não seria suficiente. Muçouçah diz que, no direito, existe a mania de “interpretar leis novas com espírito antigo”. Apesar de a expressão “casa de prostituição” ter sido trocada, no Código, por “estabelecimento em que ocorra exploração sexual”, a mudança ainda não foi imposta na prática, tanto é que o título do artigo continua sendo “Casa de Prostituição”.

Gabriela Leite, ex-prostituta fundadora da Daspu e da ONG DaVida

Mudar definitivamente o nome do artigo para “Casa de Exploração Sexual” é uma das propostas do projeto de lei conhecido como Lei Gabriela Leite, criado em 2012 pelo deputado Jean Wyllys. Seguindo a mesma linha regulamentarista da tese de Muçouçah, o projeto, cujo apelido é uma homenagem à criadora da ONG DaVida e da grife Daspu, propõe uma aposentadoria especial para profissionais do sexo, exigência legal de pagamentos pela prestação de serviços sexuais e a legalização das casas de prostituição.

Além disso, um dos pontos principais da iniciativa é a diferenciação entre prostituição e exploração sexual. O plano, nesse sentido, é reescrever leis já existentes no Código Penal, como o trecho  “induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual”, que, caso o projeto seja aprovado, se tornará  “induzir ou atrair alguém à exploração sexual”. Muçouçah considera que Jean Wyllys tenha sido até um pouco conservador, por ter proposto a aposentadoria após 25 anos de contribuição com o INSS. Segundo ele, os profissionais do sexo, que dependem essencialmente da aparência, não chegam a trabalhar por tantos anos. O ex-deputado Fernando Gabeira também propôs, durante seu mandato, um projeto de lei que regulamentava a prostituição, o qual foi arquivado quando ele deixou a Câmara.

O professor da UFU reconhece que a prostituição, como outros assuntos relacionados ao corpo e à sexualidade, é um tema que suscita ainda muito preconceito, ao mesmo tempo que “não é levado a sério”. Durante a realização da pesquisa, iniciada em 2009, ele conta ter ouvido várias piadas de colegas sobre o tópico. “Não à toa”, diz Muçouçah, “Fernando Gabeira e Jean Wyllys são conhecidos como pessoas destemidas”.

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