Os direitos humanos já renderam série de estudos nas relações internacionais. Porém, os pesquisadores Simon Hug e Simone Wegmann, da Université de Gèneve, propõem uma nova forma de analisar o tema. O estudo considera a relação entre diferentes variáveis que influem na análise de como signatários de convenções de direitos humanos se comprometem com suas obrigações, já que “diferentes mecanismos de anuência foram estudados isoladamente, sem considerar possíveis interações”. A abordagem inovadora sobre tal assunto, exaustivamente discutido, foi apresentada em workshop promovido pelo IRI-USP, Compliance in International Relations: Formal Commitments and State’s Interests, série de palestras com tema da anuência dos Estados nas relações exteriores, com artigo de título Complying with Human Rights (Anuência aos Direitos Humanos).
Ponto de partida
A discrepância entre a crescente assinatura de tratados relativos aos direitos humanos e a não melhora de ameaças à integridade física foi o ponto de partida para o trabalho de pesquisa. Houve uma melhora em atividades como a tortura, mas há maior registro de casos de cárcere e desaparecimentos. Por que tratados não refletem melhoras imediatas na redução dessas atividades?
A resposta dada pela pesquisa é a de que os tratados de direitos humanos não apresentam benefícios e sanções claras como apresentam os tratados econômicos, por exemplo. Sob uma perspectiva racionalista, o tratado só é assinado se já está alinhado ao interesse do Estado ratificador. Já que as relações que envolvem os direitos humanos são privadas de ganhos recíprocos, como haveria em uma negociação, analisar os mecanismos de reforço que fazem com que os países melhorem seu histórico de direitos humanos e a interação entre estes sistemas de anuência faz-se fundamental.
No meio do caminho
Hug e Simone propõem um novo método de estudo quantitativo, levando-se em conta o fator de dependência temporal, com variáveis contínuas. As mudanças nos direitos humanos acontecem devagar, ao longo do tempo de governos. Na pesquisa, usa-se um sistema de variáveis binárias dependentes (o estado do processo em certo tempo), ilustradas em uma matriz pelo modelo de Markov.
A aplicação deste procedimento é importante porque, nas pesquisas anteriores, independentemente do ponto de partida do país, o efeito assumido de uma variável (como a ratificação de um tratado) é assumido como se fosse o mesmo. Mas como a variável possui um patamar inferior e superior, as melhoras no segundo tipo de país são claramente limitadas ou até impossíveis. Com a interação apropriada entre estados anteriores e variáveis independentes no novo método, pode-se estimar um modelo lógico-probabilístico que gera uma série de possibilidades de transição. Desse modo, permite-se a dependência do tempo, já que o nível de respeito aos direitos humanos dependerá do respeito que se tinha no período passado.
Os mecanismos que explicam compromisso com direitos humanos são definidos em duas abordagens. A primeira é a organizacional, ou seja, a transparência e a falta de ambiguidades no tratado. Tais fatores reduzem a demora entre a convenção/ratificação do acordo e sua anuência, já que as medidas requisitadas estão claras. Já a segunda diz respeito à administração do Estado. Os direitos humanos podem ser violados na relação Estado-sociedade, algo menos comum na democracia pelo voto retrospectivo, já que o governante agirá de acordo com a sociedade, com menos arbitrariedade.
Os critérios para definir as variáveis foram baseados no Physical Integrity Rights Index (Sumário de Direitos de Integridade Física), dos estudos de Cingranelli e Richards. É um sumário incluindo indicadores de mortes extrajudiciais, tortura, cárcere político e desparecimentos. Para cada indicador, países são classificados em pontuação de zero a três, o que leva a uma classificação final que vai de zero (nenhum respeito aos direitos humanos) a oito (respeito total aos direitos humanos).
Foram definidos quatro critérios principais: sistemas de reforço nas convenções de diferentes regiões, tipo de regime governamental, o PIB per capita e existência de conflitos armados no país. O principal critério é o sistema de anuência em diferentes convenções, constatando-se que o sistema da União Europeia é o mais forte dentre os analisados, até pelas condições impostas para adentrar a união, e o das Nações Unidas, representado pelo CAT (Cômite Contra a Tortura em inglês) é o mais fraco, justamente pela falta de sanções aparentes.
Linha de chegada - ou apenas um começo
Com base na análise, os pesquisadpres afirmaram que há efeito positivo em longo prazo em países com condições adversas de direitos humanos com a ratificação de acordos, efeitos não muito visíveis em países que já possuem um bom histórico. O nível de violação desses direitos contribui fortemente para o nível de violações no ano seguinte. A ratificação de países vizinhos afeta a ratificação do país em si, mas não o seu respeito aos Direitos Humanos, por ser algo intrínseco ao sistema de valores do país, como já explicitado anteriormente.
Simon Hug e Simone Wegmann admitem não ter solucionado todos os problemas de pesquisa na área, mas acreditam que é um começo para que mais variáveis possam ser analisadas em profundidade para maior entendimento de uma área que, apesar de tão explorada, é geralmente incompreendida.
Foto de chamada: Public Service Alliance of Canada