ISSN 2359-5191

29/04/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 12 - Sociedade - Faculdade de Direito
Evento discute a Lei de Execução Penal e o encarceramento

A relação entre a Lei de Execução Penal (LEP) e o encarceramento foi o tema da segunda mesa de estudos e debates promovida por uma parceria entre o XI de Agosto e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). A discussão, realizada no dia 16 de abril na Faculdade de Direito da USP, contou com as presenças de Patrick Cacicedo, defensor público do Núcleo de Sistema Carcerário da Defensoria de São Paulo, e da professora Maíra Rocha Machado, pesquisadora do Núcleo de Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Os principais pontos discutidos foram as falhas do sistema penal brasileiro, que se baseia na prisão como única solução, e as críticas à própria LEP, criada em 1984 e considerada, tanto por especialistas brasileiros quanto de outros países, uma das melhores leis penais do mundo.

“Que a LEP traz direitos e garantias para uma dita regular execução da pena, todos sabemos. Sabemos também que, nessa parte, ela não é aplicada e a execução da pena no Brasil é um horror”, disse Cacicedo. No entanto, para ele, a solução não é apenas empregar a lei como está escrita no papel. Se fosse assim, duas outras lógicas serão levantadas: a consideração de que o direito penal é justo e legítimo e a existência da necessidade de se criar mais presídios. “Essa é, sem sombra de dúvidas, a opinião da imprensa, por exemplo, e talvez da maioria dos juristas também”, criticou. Assim, seria correto admitir que o direito penal continuasse com a função de proteger a sociedade e que a razão de o encarceramento crescer fosse o aumento dos crimes.

Essa concepção, entretanto, é desconstruída quando confrontada com o fato de que “todo Estado seleciona um determinado e pequeno número de pessoas que submete à sua autuação sob forma de pena. Essa seleção penalizante é que se chama de criminalização”, segundo Cacicedo. O resultado é que, quanto mais ações o Estado considerar crime, maior será o número de cidadãos presos. Cidadãos que, na maioria, são pobres e negros.

A pobreza, para o defensor público, não é, como geralmente se divulga, a causa dos delitos, mas, sim, a causa da criminalização de pessoas de classes sociais inferiores. O estereótipo seria o maior fator seletivo levado em conta na decisão de quem cumprirá pena nas cadeias do país, fortalecendo um sistema penal que “reforça a discriminação e o racismo”.

Dados do cárcere

Apesar de o regime militar que existia no Brasil ter sido derrubado há mais de duas décadas, Cacicedo considera que o fortalecimento da democracia foi acompanhado, paralelamente, pelo fortalecimento do Estado policial, marcado por uma “cultura de tortura”. Como exemplos ele cita o número de mortes institucionalizadas, ou seja, causadas pela Polícia Militar, e o crescimento exponencial da quantidade de encarcerados no Brasil.

A população carcerária no país era 90 mil em 1990 e atingiu a marca de 550 mil pessoas em junho de 2012. A média é de cerca de 290 presos por 100 mil habitantes. O crescimento foi de quase 500% no período democrático, num processo chamado por Cacicedo de “encarceramento em  massa da pobreza”. O Brasil é o quarto país com o maior número absoluto de pessoas presas, perdendo apenas para Estados Unidos, China e Rússia. Desses encarcerados, mais de 70% foram presos por delitos contra o patrimônio ou por atividades relacionadas a drogas. Cerca de 5% são analfabetos e mais de 80% não completaram o ensino médio. O déficit de vagas no meio do ano passado era de mais de 240 mil, mais do que o número de presos do estado de São Paulo. Paradoxalmente, o crescimento de vagas no sistema prisional brasileiro foi de 400% desde a criação da Constituição de 1988. Ainda assim, em São Paulo, seria necessário construir um presídio por mês para suprir a deficiência.

Cruzes em frente à Faculdade de Direito protestam contra o massacre do Carandiru

 Falhas da Lei de Execução Penal

Considerando esses dados, é justo concluir que a simples aplicação da LEP defendida por alguns como solução para o sistema carcerário, juntamente com a construção de mais presídios, não é suficiente. Isso seria admitir como verdadeira a ideia de que a modernização do sistema presidiário é sinônimo da criação de novas vagas. Ou seja, “a prisão como remédio para si mesma”, como citou a professora Maíra, em alusão à profecia de Foucault.

Se a construção de mais presídios é descartada como solução para o problema carcerário, a simples aplicação da lei também deve ser. Na mesma medida em que a LEP traz importantes direitos e proteção aos presos, ela também é constituída de artigos que são passíveis de interpretações prejudiciais aos presidiários, faceta que não é muito divulgada ou contestada, de acordo com os participantes da mesa.  É o caso da Subseção 2º, que trata das faltas disciplinares, por exemplo. “A descrição das condutas que geram falta disciplinar não passam por um juízo mínimo de legalidade”, de acordo com Cacicedo. Alguns dos incisos são evasivos e podem levar a abusos de poder por parte dos carcereiros e policiais responsáveis pela prisão. Um exemplo citado foi o parágrafo que trata do respeito aos funcionários.

Para Patrick Cacicedo, a luta para só aplicar a LEP é “bastante cega”. O esforço deveria ocorrer contra o encarceramento em massa. O debate foi promovido na semana em que se iniciou o julgamento do massacre do Carandiru, ocorrido 20 anos atrás, quando a LEP e incisos como o que chama de falta grave participar de “movimentos para suberverter a ordem ou a disciplina” já existiam.

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