Olhares alternados podem manifestar a intenção de um cão de comunicar algo ao homem, como o desejo por algo que lhe está inacessível, por exemplo. O estudo das habilidades de comunicação caninas torna-se importante, neste contexto, tanto para a compreensão da relação entre ser humano e cão quanto para a da disposição cognitiva canídea.  A pesquisadora Carine Savalli Redigolo direcionou a sua tese de doutorado – defendida em abril no Instituto de Psicologia da USP (IP/USP) – à questão da capacidade de comunicação funcionalmente referencial e intencional nos cães e encontrou novas evidências de que eles são aptos a se comunicar desta forma.

De acordo com Carine, os cães desenvolveram habilidades sócio-cognitivas, ao longo do processo de domesticação, para colaborar com o ser humano. Em seu estudo, a pesquisadora comprova e explica a habilidade destes animais de se comunicarem com o homem por meio de comportamentos dirigidos a um objeto no ambiente – um referente, que, nos experimentos que desenvolveu, era a comida favorita do cão analisado – com o intuito aparente de manipular o comportamento de seu tutor, responsável pelo animal, para que tal objeto lhe fosse entregue.

Isto é basicamente o que Carine chama de comunicação referencial e intencional, habilidade presente nos símios e nas crianças na fase pré-linguística. Porém, ela ainda esclarece que a modalidade de comunicação referencial com a qual trabalhou – este tipo de comunicação é encontrado de duas formas na literatura – é baseada no comportamento de apontar com o olhar, por isto demanda a atenção visual conjunta do emissor e do receptor.

Deste modo, a pesquisadora tomou como base estudos anteriores, os quais indicaram que os cães utilizam comportamentos como a alternância de olhares para chamar a atenção e que estes comportamentos são influenciados pela audiência. Ela utilizou, então, alguns critérios observáveis para tentar responder se o que se caracteriza como comunicação referencial e intencional nos seres humanos se aplica aos cães.

Estes critérios são o efeito de audiência, a influência da direção da atenção do receptor da mensagem, as alternâncias de olhares sucessivas do emissor (o cão, neste caso) entre o receptor e o objeto que pretende comunicar (a comida, por exemplo), a persistência e elaboração da comunicação – quando a primeira tentativa de manipular o receptor falha – e os eventuais comportamentos utilizados pelo emissor para chamar a atenção. Segundo Carine, por meio de tais critérios, pode-se inferir sobre intencionalidade.

Assim sendo, dois experimentos foram realizados no Laboratório de Cães do IP, sendo que o primeiro, feito com 29 cães não adestrados de várias raças, teve como finalidade investigar os critérios comunicacionais mencionados. A partir disto, a pesquisadora encontrou novas evidências de que os cães realmente se comunicam de modo funcionalmente referencial e intencional. Isto porque “todos os critérios necessários para considerar a comunicação como tal são válidos e nós temos evidências deles para os cães, especialmente o de alternância de olhares quando o referente, no caso a comida, estava presente”.

No entanto, a autora ressalta que o estudo se baseou em uma mostra geral de cães, por isso permanecem perguntas que devem ser investigadas em pesquisas futuras, levando em consideração alguns fatores que podem influenciar nesta habilidade canina.  Sexo, idade, raça ou função da raça, fatores demográficos do tutor (sexo e idade), a própria relação estabelecida entre eles ou a experiência do cão com vários tipos de treinamentos são alguns dos fatores mencionados por Carine.