O geógrafo Jaime Oliva, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP), está conduzindo uma pesquisa que avalia a maior cidade do país sob uma perspectiva diferente. Em A dinâmina da metrópole de São Paulo do ponto de vista de uma teoria da urbanidade, Oliveira mostra que, por mais concreto e cimento que a nossa cidade tenha, ela não tem um alto grau de urbanidade. E isso é, inclusive, uma das causas da sua violência.
O primeiro ponto a ser definido é o que vem a ser urbanidade. “Como ela é usada, a palavra urbanidade é meramente retórica. É apenas um termo genérico, vago”, explica o professor. “Quando eu digo que a minha pesquisa se baseia no estudo da dinâmica urbana do ponto de vista da urbanidade, a minha tentativa é a de atualizar, dar consistência e realmente teorizar o que vem a ser urbanidade”, ele explica. Na pesquisa, a questão adquire o sentido de ser a possibilidade da aproximação dos cidadãos que vivem em determinada cidade.
Para compreender esse conceito, é preciso ter em vista uma concepção não usual da construção da cidade. Para o professor, ela não é apenas um agrupamento consequente de evoluções econômicas e comerciais. A cidade é uma “forma social de organização da sociedade”, algo intrínseco às relações humanas que se reflete no espaço. “O ser humano só é social se ele se relaciona. Para se relacionar, ele precisa entrar em contato. Para entrar em contato ele precisa criar espaços adequados para isso”, esclarece Oliva. Para criar os espaços, as distâncias devem ser administradas. “A cidade”, fala o professor, “nada mais é do que a forma espacial de eliminar distâncias, via aglomeração”.
“A urbanidade é o que faz desse conjunto de relações as mais plenas possíveis. E mais capazes de construir solidariedades, mecanismos de vida em comum, de distribuir igualdades. De refletir sobre que igualdades são essas”, define o professor. Com isso em mente, não é difícil entender porque Jaime Oliveira diz que São Paulo, contrariando todas as expectativas, não é uma cidade com alto nível de urbanidade.
Considerando que uma das condições que determinam a urbanidade é o reconhecimento do direto do outro de desfrutar dos mesmos espaços públicos que você, podemos notar falhas graves na estrutura de São Paulo. Como quando, por exemplo, os moradores do bairro de Higienópolis protestaram contra a construção de uma estação de metrô ali para que o transporte não trouxesse “gente diferenciada” para o local.
“Isso é algo completamente antiurbanidade”, diz Jaime Oliva comentando sobre o assunto. “Você começa a atuar de forma que na sua região só um tipo de gente circule. Você está propondo separação, afastamento, seleção de relações. Quando a cidade tem a vocação de colocar a diversidade em contato. Aliás, que vantagens você tem de viver em um mundo em que se relaciona sempre com o mesmo segmento, com o mesmo grupo? A riqueza da cidade está na diversidade. Isso não é uma retórica, uma bobagem. Grande parte do que chamamos de cultura urbana é fruto do contato de grupos diferentes. A cidade é um catalisador.”
A baixa urbanidade de São Paulo tem, entretanto, em última instância, uma consequência mais preocupante. O outro, que acabou segregado em outro espaço urbano, se desumaniza diante dos nossos olhos. O professor cita, por exemplo, a matança que cresce nas periferias. Ainda que aquilo cause pena, a sociedade confinada em condomínios de luxo não sentem aquela dor. E o professor faz questão de frisar que não é por uma questão ideológica, mas, sim, por pura e simples falta de contato.
Essa falta de identificação não acontece só da parte dos que vivem em suposta segurança. Ela também atinge quem está do outro lado do muro. “A segregação aumenta o grau de violência”, afirma o professor. Afinal, quem empunha a arma também vê aquele com quem não tem contato de forma desumanizada. “Ele mata por que o outro não é um ser humano. Ele não vai matar o irmão dele”, pontua o professor.