O advogado Fábio Konder Comparato contestou a decisão da Comissão Nacional da Verdade de trabalhar em regime de sigilo. Para o professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP), a divulgação das averiguações sobre violações de direitos humanos na época do regime militar é importante para que o povo brasileiro tome consciência desses crimes.
A consideração do jurista se deu conferência Direitos Humanos e Comissão da Verdade., ocorrida no Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP), no dia 24 de abril. A palestra marcou o lançamento da 77ª edição da revista “Estudos Avançados”, a qual traz, entre seus destaques, uma entrevista com o expositor. Além disso, o seminário teve como objetivo a tentativa de compreender a reação moderada da sociedade brasileira às atrocidades cometidas pelo regime militar de 1964.
Para a análise, o professor fez um comparativo entre a resposta dada pelo povo brasileiro e pelo povo argentino quando submetido à semelhante situação. “Os argentinos exigiram muito mais rápido a punição pelos crimes cometidos pela junta militar. Logo após do fim do regime, já criou-se uma comissão para investigar o desaparecimento de pessoas”, explicou .“Já o Brasil insistiu em ser o único país da América Latina onde não foram abertos processos criminais contra os militares”.
Fábio Comparato acredita que esse contraste nas respostas entre brasileiros e argentinos se deve à mentalidade coletiva de cada um dos povos. “O caráter do povo argentino é bastante diferente, se comparado ao brasileiro. Eles têm o costume de agir sem disfarce e sem dissimulação”, atestou o professor.“Na Argentina, não há concessão ou acordo entre partidos opostos”, explicou.
De acordo com o jurista, a influência da escravidão de africanos e afrodescendentes não marcou o imaginário argentino tão fortemente como no Brasil. “A nossa tradição de empregados domésticos é um exemplo que mostra como ainda temos traços escravocratas”, comentou Comparato. “Felizmente o Senado Federal parece estar tentando humanizar mais esse trabalhador ao aprovar a PEC das Domésticas”. Segundo o professor, escravidão firmou, até hoje, na mentalidade coletiva do povo brasileiro, sobretudo nas camadas mais pobres, uma atitude de subserviência em relação aos poderosos. Isso justificaria, na opinião do advogado, o porquê de a reação brasileira aos crimes cometidos pelo regime militar ter sido tão branda.
Para Comparato, o Brasil precisa rever radicalmente seu conjunto de preferências, opiniões e preconceitos. “A grande reforma dessa nação somente será feita quando houver uma mudança profunda da mentalidade brasileira”. A medida mais urgente que o país deve tomar para haver uma real consolidação democrática, de acordo com o jurista, é a regulação comunitária dos veículos de comunicação. “Devemos acabar com o monopólio empresarial sobre a mídia. Os meios de comunicação do povo devem funcionar sob controle do povo. Se Deus quiser e a polícia deixar”, concluiu.
Créditos da Imagem: Sandra Codo (IEA/USP)