“Vários estudos no Brasil dizem que de 70 a 80 por cento das mulheres que tiveram seus filhos por uma cesárea queriam um parto normal no começo da gravidez. Ou seja, algo acontece ao longo da gestação que determina esse tipo de fechamento”. Esse foi o ponto de partida para Heloísa de Oliveira Salgado, que em sua dissertação de mestrado “A experiência da cesárea indesejada: perspectivas das mulheres sobre decisões e suas implicações no parto e nascimento”, tratou do processo que leva a uma cesárea e as consequências dessa imposição no pós-parto. Além disso, ela também buscou descrever o conceito de cesárea indesejada, já que, na comunidade científica, essa expressão não é muito comum. “Esse era um termo que era corriqueiramente utilizado nas mídias sociais, quando se usava mais cesárea desnecessária, para se referir à mulher que sofreu o procedimento sem uma indicaçao clara”, explica.
Atráves das mídias sociais, em comunidades e grupos de discussão online, Heloísa encontrou diversas mulheres que não haviam tido o parto da forma como desejaram inicialmente e estavam dispostas a compartilhar suas histórias de maneira bastante detalhada. A partir desses depoimentos, Heloísa constatou a presença do que é chamado de violência obstétrica, durante todo o processo do pré-natal, parto e pós-parto. “Violência obstétrica é a violência institucional que a paciente sofre durante a atenção ao parto. Muitas das mães dizem ter sofrido desde negligência até violência física”, explica.
A cesárea indesejada vai além da decepção pelo parto normal que não ocorreu, envolve também o desrespeito aos direitos e desejos da mulher (fonte: Arquivo Pessoal)
Dentre todas as violências físicas relatadas por essas mães, a pesquisadora enumera as três mais frequentes e, por isso, mais relevantes. São elas: a mulher estar com as mãos amarradas quando tem o primeiro contato com seu bebê; ficar sozinha, abandonada no pós-parto imediato, em total desrespeito à Lei do Acompanhante e, por fim, ser sedada no pós-parto, muitas vezes sem ao menos o comunicado de tal intervenção. Acrescentadas ao fato de uma césarea indesejada, todas essas formas de violência obstétrica levam a consequências emocionais diretas após o nascimento, que são, muitas vezes, agravadas pela falta de compreensão da sociedade. “Essas mulheres sentem que não estão autorizadas a sentir essa tristeza, já que sua família, rede de amigos e profissionais que as acompanham questionam o motivo de sentimento, já que elas e o bebê estão bem e saudáveis”, explica Heloísa.
Muitas das mulheres contam que conseguiram superar a frustração e o “luto” pelo parto normal que não ocorreu quando tiveram um parto normal em uma gestação seguinte ou ajudando outras mulheres a se informar. “É interessante também que a maioria das mulheres que eu entrevistei amamentaram prolongadadamente. Uma delas inclusive disse que decidiu procurar o apoio e a informação necessária para a amamentação como forma de se vingar da forma do parto que ela desejava, mas não teve”, aponta a pesquisadora.
Para Heloisa, o que fica é o olhar de como a assistência à mulher está organizada, de acordo com as necessidades da instituição e dos profissionais, e não da mãe e do bebê. Ela enfatiza também a necessidade de combater a violência obstétrica, que um quarto das mulheres dizem ter sofrido. “A assistência precisa ser segura, para que as mulheres tenham uma experiência de parto boa, satisfatória e saudável, e não que elas saiam dessa experiência traumatizadas e inseguras. Essa experiência ruim acaba resultando em outras experiências ruins, com as consequências no pós-parto”.