Os conflitos entre os poderes Legislativo e Judiciário foram discutidos em debate promovido pelo XI de Agosto na Faculdade de Direito da USP, no dia 6 de maio. O Centro Acadêmico convidou para seu evento o professor de direito constitucional da Faculdade Elival da Silva Ramos e o deputado federal Nazareno Fonteneles, do PT do Piauí, criador da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que propõe limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF). A PEC 33, como é chamada, causa polêmica especialmente por submeter algumas decisões do STF, como a de que uma emenda é inconstitucional, ao Legislativo, o que é considerado contra a Constituição por muitos juristas e advogados.
Apesar da crítica que sua proposta recebe de ir contra o princípio da tripartição dos poderes, Fonteneles atribui essa violação ao Judiciário, que teria “fome de legislar”. Além disso, ele acusa o STF de violar outra cláusula pétrea (regra que não pode sofrer alterações): a do voto direto e universal que legitima o Congresso Nacional como representante do povo, ao, supostamente, invadir sua competência de legislar.
Fonteneles defendeu seu projeto citando artigos da Constituição que, segundo ele, mostram “quem é que está no topo”. O artigo 49, inciso 11, por exemplo, determina que “é de competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros poderes”. A interpretação, de acordo com Fonteneles, é a seguinte: se outros poderes invadirem as funções legislativas, o Congresso tem o direito e o dever de corrigi-los e sustar os atos inadequados. É dessa invasão que a PEC 33 considera o STF culpado, por ter tomado decisões como a que determinou o fim da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão, em 2009. “Muitos desses atos do Supremo poderiam ser anulados com base nesse artigo. Claro que combinado com outros, mas nele é que está mais claro”, afirmou o deputado. Ele declarou ainda que o Supremo “estupra a Constituição” e que o Legislativo, desonrando o povo que o escolheu, não dá o corretivo que o Tribunal merece para “respeitar a democracia por voto popular”.
O autor da PEC também acusou o STF de ter aumentado seu ativismo judicial nos últimos dez anos por causa do governo popular que assumiu o poder no Brasil com Lula, em 2002. A crítica foi feita com base em uma comparação com a Suprema Corte conservadora dos Estados Unidos à época do New Deal de Roosevelt, que foi um dos maiores entraves ao “ápice do desenvolvimento do país”, como descrito por Fonteneles. Citando a fala de Montesquieu de que “só o Poder detém o Poder”, ele afirmou que a sua PEC faz exatamente isso ao tentar deter o avanço do poder do Judiciário.
Outras críticas foram feitas à “mídia oligárquica”, que, para Fonteneles, não fala das falhas do STF por ser cúmplice do Tribunal e à demagogia dos ministros (que ele considera conservadores) ao tomar decisões favoráveis, por exemplo, à união homoafetiva e ao uso de células-tronco embrionárias apenas para se mostrarem avançados e liberais.
A defesa do Judiciário
O professor Elival da Silva Ramos disse, ao começar a falar, que também percebia um problema de ativismo judicial atualmente, mas discordava de Fonteneles quanto às soluções. O ativismo, segundo ele, é grave porque fere o princípio da separação dos poderes. No entanto, também fez uma ressalva de que não se deve “esgarçar ainda mais o princípio com o remédio”.
Ele declarou ser importante “separar o joio do trigo”, pois nem todas as decisões recentes do Supremo, muitas das quais citadas anteriormente pelo deputado, inferem em ativismo. É o caso, em sua opinião, da decisão sobre as uniões homoafetivas, já que não há, na Constituição, nada que exclua esse estado do conceito de família. “Acho que, nesse caso, houve o exemplo de uma interpretação criativa do Supremo, com base metodológica suficiente para amparar a decisão”, declarou. Para ele, uma decisão tipicamente ativista é a que deu origem à Súmula Vinculante 13, que trata do nepotismo em cargos administrativos e que não é autorizada pelo texto constitucional, tendo necessidade, assim, de uma ação do Congresso Nacional.
Ramos elencou, então, outras soluções que não a PEC 33. O aumento do número de ministros foi a primeira delas. Onze, para ele, é um número insuficiente. “As forças constitucionais na Europa geralmente têm 15, 16 juízes”, apontou. Ainda em relação aos ministros, disse que eles poderiam ter várias origens, com uma parte escolhida pela presidência da República, como é agora, e outras da sociedade civil e mesmo do Congresso Nacional.
Depois, propôs também que houvesse mandato para os ministros, que, atualmente, têm cargo vitalício. “Toda Corte Constitucional tem mandato e não há uma cristalização de linha de pensamento”, afirmou. O professor aproveitou a ocasião para criticar o poder Legislativo por não sabatinar corretamente os ministros. De acordo com ele, o papel desse questionamento é revelar o que pensam os ministros do Supremo sobre temas polêmicos. “Esse é o papel da sabatina. E é feita pelo Congresso Nacional. É feita pelo Senado. O resultado é esse! Depois reclamam!”, disse. Ele afirmou também não existir um “complô conservador no Supremo” porque quem escolheu a maioria dos ministros atuais foi o governo petista. “É a atual linha de governo que colocou esses ministros lá”.
Ramos frisou também que boa parte do ativismo judicial do STF vem da omissão do próprio Congresso Nacional. No entanto, declarou que a culpa não é do Congresso, mas do número de partidos que existem no Brasil, que obriga o governo a fazer inúmeras alianças, a fim de criar uma maioria sólida. De acordo com ele, a quantidade de partidos com representação no governo deve diminuir, pois “não há democracia com o número de partidos que existe no Brasil”.