Em uma etapa conflituosa como a adolescência, que implica em incorporação social, o indivíduo geralmente procura se distinguir para tentar ser acolhido. Neste processo, as marcas corporais, como tatuagens e piercings, funcionariam como uma forma de se atribuir significado a própria imagem frente à sociedade. Em sua dissertação de mestrado, cuja defesa ocorreu em abril no Instituto de Psicologia da USP (IP/USP), a psicóloga e pesquisadora Marcela Rezende Gea assinala que as marcas corporais relacionam-se ao desejo de atrair o olhar, “fabricar uma estética da presença, mesmo se o local da inscrição permanece oculto à primeira vista”.
A psicóloga explica que, com a apresentação de novos referenciais para serem adotados, o adolescente participa de uma reestruturação no ideal de ego, que consiste em uma representação que o indivíduo faz de si aderindo a outras representações idealizadas (como a dos pais, por exemplo). Desta maneira, os ideais que possuía antes são questionados e o corpo se torna central na relação tanto com o mundo interno quanto com o externo.
Na contemporaneidade, Marcela diz que a relação com o corpo está ligada à ideia de autodomínio, ou seja, há o induzimento a “construir o corpo, modelar sua aparência”, de forma que o percurso histórico natural do indivíduo seja ocultado. Durante seu estudo, a psicóloga realizou uma série de entrevistas com adolescentes, referente a marcas como tatuagens e piercings. Diante disso, ela aponta o anseio por singularidade, que liga o sujeito à cultura, presente no emprego de tais marcas.
A pesquisadora esclarece que a ideia do corpo como “simulacro do homem” é especialmente reiterada na era do consumismo, visto que atende aos ditames do consumo em massa. Segundo ela, se nas diversas sociedades humanas constituiu-se em estrutura simbólica, na sociedade ocidental globalizada de hoje, o corpo transformou-se em modo de expressão e exposição manifestamente reivindicado, sob o “imperativo de se transformar, de se esculpir, de se colocar no mundo”.
Por meio do corpo, a presença do homem é avaliada e ele exibe a imagem que pretende transmitir aos outros. A conversão de signos que outras sociedades, de acordo com a sua cultura, tinham como objetivo, conforme a psicóloga, converteu-se atualmente em uma “encenação deliberada de si”.
Neste processo, a pele aparece como um importante “alvo simbólico”, ao estabelecer os limites entre o dentro e o fora. Em relação à tatuagem e ao piercing, apresenta-se como uma tela, em que se pode registrar uma memória viva. “Sua dinâmica corresponde a uma forma de costurar significados no próprio corpo”, afirma Marcela. Ela explica que, na pele, a marca se instaura como uma escrita metafórica dos principais momentos da história do indivíduo.
A carência de dispositivos culturais eficazes na mediação do processo de passagem da infância para a maturidade e no reconhecimento do indivíduo como novo membro do corpo social é indicada pela psicóloga. Diante desta situação, ela aponta a necessidade de se investigar as especificidades culturais, em que determinados adolescentes instituem hábitos imaginários. Além disso, assinala que a relevância da problemática da singularidade da produção de significantes a determinadas demandas culturais, em conjunturas particulares, é o campo principal para que se aprofunde sua pesquisa.