A engenharia tecidual, que busca utilizar os princípios da engenharia e da biologia para constituir substitutos de tecidos, foi o tema da palestra do professor Flavio Demarco, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), realizada na Faculdade de Odontologia (FO) da USP. O professor discutiu o futuro e as possibilidades dessa tecnologia para os cirurgiões-dentistas.
A apresentação, parte do evento a “XX Reunião de Pesquisa e o XVII Seminário de Iniciação Científica”, iniciou com o professor ressaltando a interdisciplinaridade da engenharia tecidual, seja nos laboratórios de pesquisa ou na aplicação prática. Na odontologia, esse conhecimento é capaz de viabilizar a produção de scaffolds, também conhecidos como “arcabouços”, importantes para o processo de regeneração de tecidos danificados.
Segundo o professor, a função dos scaffolds é substituir a matriz extracelular, componente que é fundamental para determinar as funções de uma célula. Fazer esse processo de maneira eficiente é, na verdade, o grande desafio para a engenharia tecidual. “Os scaffolds servirão como uma base temporária para que possa haver a formação dessa matriz”, explica.
Além de dar sustentação física à célula, os scaffolds funcionam como um meio de sinalizar para a célula que ela precisa regenerar-se. Para isso, Demarco explica que é preciso que esses arcabouços tenham algumas características específicas, mas que podem variar dependendo de qual scaffold se desenvolve. Ele destaca algumas delas: “Eles precisam ser promotores de interações celulares, ter uma disposição geométrica adequada ao tecido que se deseja regenerar e ter baixa ou nenhuma toxidade”.
Confecção dos scaffolds
Diversos materiais podem ser utilizados na produção desses arcabouços, como colágeno (polímeros naturais), produtos sintéticos e biocerâmicas. De acordo com o professor, os primeiros têm a vantagem de serem renováveis, o que pode ser um indicador interessante para o preço e a viabilidade do desenvolvimento desses produtos. “A engenharia de materiais só vai ser possível quanto utilizarmos materiais de custo acessível, ou teremos uma dificuldade muito grande”, ressalta.
Quanto às desvantagens dos polímeros naturais, Demarco cita o risco biológico devido às possíveis reações imunológicas e às baixas propriedades mecânicas dos materiais. Dessa forma, as versões sintéticas apresentam pontos positivos no que diz respeito ao controle das propriedades e das variedades do material. O professor acrescenta: “A produção em larga escala pode reduzir o custo”.
Considerando esse panorama, o grupo de pesquisa do qual Demarco faz parte desenvolveu um scaffold injetável de hidrogel à base uma substância extraída de uma alga (alginato). A ideia de aplicação com seringa surgiu a partir da própria rotina e das ferramentas do dentista. O professor explica: “A ideia era que o scaffold pudesse ser injetado na raiz do dente para estimular a regeneração dos tecidos”.
Críticas à academia
O professor também ressaltou a importância do trabalho com os scaffolds, especialmente considerando o número inédito de bolsas para pesquisa nessa área concedidas pelas agências de fomento. Ele faz, no entanto, uma ressalva quanto ao desenvolvimento das pesquisas: “Precisamos refletir um pouco porque muitas vezes estamos testando coisas que já foram demonstradas”.
Demarco ainda criticou a acomodação de áreas de pesquisa que se concentram em apenas um pequeno nicho de estudo. Para o professor, o Brasil não pode ficar para trás nesse momento de desenvolvimento tecnológico. “Acredito que uma mudança de foco seja muito importante, ainda mais considerando a qualidade de material humano que temos”, finaliza.