São Paulo (AUN - USP) - Apesar de a distribuição geográfica de tipos e subtipos de HIV permanecer estável no Brasil, a alta capacidade de mutação do vírus ainda dificulta a obtenção de uma vacina e de tratamentos eficazes contra a Aids. A pesquisadora Marília Almeida Antunes Rossini, doutora pela USP, responsável pelo Laboratório de Retrovírus do Instituto Adolfo Lutz e coordenadora da Rede Estadual de Carga Viral (HIV), explica que vivemos atualmente uma “segunda fase” de detecção e análise das características genéticas do HIV.
Em sua tese Subtipos de HIV-1 em usuários de drogas endovenosas nas cidades de São Paulo e de Santos, defendida em 2000 no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, Marília Rossini fez um mapeamento dos subtipos de HIV nas duas cidades paulistas. “Trata-se de um cenário que não sofreu alterações expressivas até hoje”, afirma a pesquisadora.
Caracterização da epidemia
Na época, Marília examinou 95 voluntários atendidos em clínicas de atenção à Aids em São Paulo e Santos, todos usuários de drogas injetáveis. O estudo identificou a ocorrência dos subtipos B e F em São Paulo, e dos subtipos B e C em Santos. A presença do subtipo C, de maior ocorrência mundial, é explicada pelo fato de Santos ser uma cidade portuária e, assim, um local de entrada para subtipos existentes em outras regiões do mundo.
A pesquisadora explica que sua preocupação era contribuir para uma “caracterização da epidemia no Brasil”. “Vários grupos que estudaram outras regiões do país contribuíram para isso, e os dados estão consolidados no Ministério da Saúde”, informa.
Feita essa caracterização, as atenções se voltaram para o seqüenciamento do material genético do vírus, uma atividade mais cara e demorada do que o mapeamento da ocorrência de tipos e subtipos, feito por meio de uma técnica chamada HMA (Heteroduplex Mobility Assay), adequada para se analisar um número grande de amostras. O objetivo atual é, além de encontrar pistas para a criação de uma vacina, investigar a resistência do HIV aos anti-retrovirais. Esses medicamentos acabam contribuindo para uma mais rápida seleção dos vírus, cuja capacidade de mutação produz resistências a tais substâncias.
Embora a classificação e a distribuição dos grupos e subtipos permaneçam sem grandes alterações, a rápida e freqüente mutação do HIV é suficiente para dificultar enormemente a obtenção de uma vacina e a eficácia dos medicamentos que compõem o chamado coquetel anti-HIV.
Falhas terapêuticas
Após a implantação, na década de 90, de uma política nacional de distribuição gratuita dos medicamentos anti-retrovirais, tornou-se essencial o monitoramento da eficácia das terapias adotadas. “Com este objetivo foram organizadas em 1997 as Redes de quantificação do HIV (Carga Viral) e de CD4/CD8 (Imunofenotipagem e Quantificação de Sub-população de Linfócitos T)”, aponta Marília. Devido à constatação de falhas terapêuticas, vários laboratórios no Brasil iniciaram um trabalho de caracterização dessas ocorrências e do padrão de mutações que têm relação com tais falhas.
A pesquisadora salienta que a ocorrência de “falha terapêutica” nem sempre está diretamente relacionada à ocorrência de mutações virais. “O fato é que vários fatores levam ao recrudescimento da replicação viral sem que o fator ‘resistência’ esteja envolvido. Um desses fatores é a falta de adesão por parte do paciente às terapias indicadas pelo médico infectologista”, explica Marília.
Tipos
Para entender detalhadamente a tese de Marília, é preciso considerar que existem no mundo dois tipos de HIV: HIV-1 e HIV-2. O primeiro tipo é o mais expressivo no Brasil e está divido em três grupos: M, O e N. O grupo M, de maior incidência, apresenta os subtipos B, C, D e F, além de recombinantes (híbridos entre dois ou mais subtipos), como B/F e B/D. A “semelhança” entre os vírus decresce dos subtipos aos grupos – B e C são mais semelhantes entre si do que M e O, por exemplo. Embora essa variabilidade aumente as chances de “escape” às terapias adotadas, a eficácia ou ineficácia dos medicamentos anti-HIV (anti-retrovirais) está mais ligada aos padrões de mutação dos vírus do que ao subtipo envolvido na infecção.