Ao contrário de doenças genéticas como distrofia muscular e Síndrome de Marfan, algumas são mais facilmente tratadas com medicamentos, modificações dietéticas e, em um futuro próximo, até com células-tronco. O avanço proporcionado pelos estudos do DNA e de novas terapias para foi um dos temas do seminário “Erros inatos do metabolismo”, ministrado pelo médico Fernando Kok, no Instituto de Biociências. Ligado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e ao Centro de Estudos do Genoma Humano, é especialista em neurologia, área na qual estuda os erros genéticos.
Por erro inato de metabolismo, é entendida a condição geneticamente determinada em que existe alguma deficiência em enzimas, proteínas transportadoras ou cofatores de determinado processo. Nas palavras de Kok, tais erros “são nada mais do que o bloqueio de uma via metabólica”, ou seja, a principal consequência é a falta de determinada substância essencial para que um processo possa ocorrer normalmente. O funcionamento do metabolismo garante todas as transformações vitais e necessárias de substâncidas dentro do organismos dos seres vivos, desde a ação enzimática até a transcrição de novas proteínas.
Fenilcetonúria como modelo
O exemplo citado pelo médico como modelo para um possível tratamento é a fenilcetonúria. Esta doença tem como característica principal a mutação no gene da enzima fenilalanina hidroxilase. Em ausência ou defeito, tal enzima não consegue degrafas o aminoácido fenilalanina, presente em qualquer alimento proteico, logo, os portadores desta condição acumulam este em seu organismo. Como o metabolismo não funciona normalmente, o desenvolvimento dos fenincetanúricos é prejudicado.
Em pacientes não tratados, a doença causa atraso mental, lentidão no desenvolvimento do sistema motor e propensão à hiperatividade e convulsões. Porém, o doutor explica que se o diagnóstico é feito logo nos primeiros dias de vida, o recém-nascido tem maiores chances de ser submetido a um tratamento à base de restrição dietética eficaz. A dieta consiste na substituição de proteínas de alto valor biológico por fórmulas preparadas especificamente para o fornecimento dos nutrientes necessários à alimentação, o que restringe a ingestão da fenilalanina. Sem tratamento adequado, a expectativa de vida é baixa, em torno de 30 anos.
Diagnóstico
Ao contrário do que se acreditava há algumas décadas, Kok explica que os erros inatos não são apenas aqueles detectados nos primeiros meses de vida. Dada a grande variedade de alterações genéticas, muitos destes problemas não “bloqueiam” o metabolismo totalmente e podem manifestar-se somente ao longo dos anos. Na busca pela compreensão de como tais erros ocorrem, o doutor destaca o uso do espectômetro de massas, que identifica os diferentes átomos que compõe uma substância através da medição do espectro magnêntico. Capaz de diagnosticar milhares de doenças, tal técnica contribui para o entendimento genético e molecular do metabolismo. Porém, ainda não é realidade na maior parte dos centros de saúde.
Mesmo com avanços, o principal diagnóstico ainda é a triagem neonatal, conhecida popularmente como “teste do pezinho”. Oferecido gratuitamente pelo SUS, o teste visa detectar doenças congêntias e erros inatos, como a fenilcetonúria, hipotireoidismo e algumas infecções, como a toxoplasmose. Para Kok, deve haver um investimento nesta triagem, uma vez que além de eficiente e simples, possibilita um diagnóstico precoce, fundamental para que o tratamento comece o mais rápido possível.
Apesar das novas terapias proporcionadas por medicamentos específicos e até células-tronco, o custo destes para os distúrbios de erro do metabolismo ainda é muito caro devido à baixa demanda. Uma vez que tais doenças são muito raras, não é visto interesse do mercado farmacêutico em popularizar tratamentos específicos.