Após trabalhar em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), a pesquisadora Camila Junqueira Muylaert observou as queixas feitas pelos profissionais que lá trabalhavam e a partir disso construiu sua dissertação de mestrado. Apesar de não ser sua área de atuação prévia, ela optou por abordar CAPS infantojuvenis (CAPSi) pela dificuldade de que a horizontalidade proposta pela reforma psiquiátrica entre médico e paciente seja posta em prática, pela condição de cuidado em que essas crianças e adolescentes se encontram. Camila entrevistou oito profissionais, procurando contemplar a maior diversidade de categorias, e no fim, contou com um médico, dois enfermeiros, um auxiliar de enfermagem, dois terapeutas ocupacionais e dois psicólogos, sendo metade desses de CAPSi gerenciados pela prefeitura e outra metade por Organizações Sociais de Saúde (OSS).
O que são CAPS?
Os Centros de Atenção Psicossocial são serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, antigos manicômios, e que tem como objetivo alterar o atendimento público em saúde mental. Esses Centros oferecem atendimento multi e interdisciplinar a pessoas com problemas graves de saúde mental, através do trabalho de profissionais de diversas categorias.
Elaborado pelo Laboratório de Saúde Mental Coletiva (Lasamec) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo, o livro “As crianças e os adolescentes dos centros de atenção psicossocial infantojuvenil” traz uma análise da realidade social, demográfica e epidemiológica dos pacientes dos CAPS infantojuvenis, tratados por Camila em sua dissertação.
Prefeitura x OSS
Apesar de não ser o objetivo principal de sua tese “Formação, vida profissional e subjetividade: narrativas de trabalhadores de Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil”, Camila acabou comparando características entre os CAPSi da prefeitura e os da OSS, por serem tão claras, porém ela afirma que não se pode fazer uma generalização quanto a isso. “É importante frisar que é uma pesquisa qualitativa, ou seja, por não termos uma amostra ampla, não podemos falar que todos os CAPSi da prefeitura ou das OSS são assim”.
Apesar disso, os contrastes e semelhanças se destacaram. Antes de tudo, Camila diz ser visível a influência do tratamento dos adultos no cuidado infantojuvenil. “Os profissionais se preparam para trabalhar com adultos e, por alguma razão, por circunstâncias da vida vão parar na saúde mental infantojuvenil e acabam adaptando o que aprenderam para trabalhar com os adultos”.
O modo como a carreira é tratada nesses dois tipos de CAPSi influencia muito no trabalho do profissional, já que nas unidades gerenciadas pela prefeitura, a horizontalidade é maior, assim como é de fato a proposta inicial dos CAPSi. Já nos centros dirigidos por Organizações Sociais da Saúde (OSS), há uma certa hierarquia institucional, ou seja, a lógica de trabalho não é tão coerente com o que se propõe. Por isso, os profissionais, no caso das OSS, enxergam os centros como uma instância de formação, algo temporário.
Há, porém, pontos em comum. “Todos se queixavam da baixa remuneração e da dificuldade de mensurar resultados, que são muito subjetivos e impalpáveis. Reclamam também da carência da capacitação oferecida pelas instituições e da grande distância entre as necessidades reais dos serviços e os treinamenos oferecidos”, conta Camila. Com tal situação somada à complexidade de trabalhar com crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, os profissionais encontram-se perdidos, gerando uma demanda por um manual de diretrizes mínimas para a realização do trabalho. Porém, esse manual vai contra a proposta do CAPS, de olhar para cada sujeito de maneira única e trabalhar com a individualidade de cada paciente, podendo ser traduzido como um indício. “A gente enxerga esse pedido por um manual como um sintoma, uma necessidade de espaços efetivos de discussão, em que os profissionais possam falar sobre o que fazem e eventualmente criar alguns conceitos a partir de seu exercicio profissional”, explica a pesquisadora.