Sônia Regina Arrojo e Drigo, diretora do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e advogada, participou da mesa de debates “Mulhres no Cárcere” na Faculdade de Direito e expôs dados sobre a situação das prisões femininas no Brasil. O evento fechou o ciclo de discussões promovidos por uma parceria entre o XI de Agosto e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e teve como outra expositora Natália Bouças do Lago, bacharel em Ciências Sociais pela USP e mestranda em Antropologia.
Em sua fala, Sônia citou os números do encarceramento de mulheres no Brasil. De acordo com ela, são 35 mil presas, quantidade que representa 6,5% dos presos do país, que hoje chegam a quase 600 mil pessoas. Entretanto, se o total de presos é quase 15 vezes maior que o de presas, a população carcerária feminina cresce mais que a masculina: nos últimos três anos, o aumento foi de 32% de mulheres, contra 15% de homens. Para a advogada, esse crescimento tem razões sociais. “Se as mulheres passaram a delinquir mais é porque passaram a ocupar, na sociedade, espaços que antes eram dos homens”, disse. Prova disso é que a maior parte das detenções foi ocasionada por crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas, assim como entre os homens. No entanto, para ela, “só os números mudam, a situação continua a mesma”.
Como exemplo, Sônia mencionou a Penitenciária de Santana, na zona norte de São Paulo, a maior da América Latina e que “é igual, hoje, ao que era em 1920”, quando foi criada como unidade masculina, com o nome de Penitenciária do Estado. O aproveitamento de prisões masculinas desativadas, aliás, é uma característica do tratamento que as presidiárias recebem do Estado. “Quem viu uma prisão, viu todas”, afirmou Sônia, enumerando problemas como superlotação, sujeira, falta de separação das presidiárias por idade e tipo de condenação e falta de vagas para regime semiaberto, uma opção para aquelas que cumprirão pena de zero a oito anos. “Ficam todas no fechado, nunca no aberto”, criticou. Ela fez também uma analogia entre o incêndio ocorrido na boate Kiss, no Rio Grande do Sul, em janeiro desse ano, e desastres que podem ocorrer na antiga Penitenciária do Estado: “A Santana é toda de madeira e as pessoas fumam lá dentro”.
Prisão feminina de Santana, na zona norte de São Paulo
A tortura das presas é outro problema grave nas penitenciárias femininas, segundo a advogada. Embora estejam menos expostas à violência carcerária que os homens e provoquem menos rebeliões, as mulheres estão submetidas a maus-tratos por agentes das prisões e por outras presas, inclusive quando grávidas: muitas mulheres foram algemadas durante o parto, mesmo sob protestos dos funcionários das maternidades, ação pela qual o Estado foi processado pelo Ministério Púbico no ano passado. Além disso, as visitações íntimas são restritas e é raro que as presidiárias recebam visitas de seus maridos ou namorados, diferentemente do que ocorre em prisões masculinas, nas quais grande parte das visitantes é composta das esposas dos presos. Muitas presas, inclusive, orientam as famílias a não visitá-las, para não terem que passar pela revista íntima (em que a pessoa deve tirar a roupa na frente dos funcionários, para provar que não porta nada ilegal), que, para Sônia, objetiva “evitar que a pessoa vá ou diminuir sua dignidade, fazendo-a se sentir humilhada”.
O processo de encarceramento
Natália Bouças do Lago, que é voluntária da Pastoral Carcerária, abordou em sua palestra os temas da política de encarceramento do estado de São Paulo e das razões para o encarceramento feminino. De acordo com ela, o governo encara a prisão como um instrumento de manutenção da ordem, além de um sistema lucrativo para quem está por trás dele. Por isso é interessante que o Brasil seja um país com uma das maiores taxas de encarceramento do mundo. Nesse contexto, ela diz que a interiorização dos presídios ajudou a camuflar esse aumento massivo. “O impacto visual desse aumento diminui”, afirmou.
Analisando o fato de que mais da metade das prisioneiras foi presa por tráfico de drogas, Natália relembrou que o tráfico se tornou crime hediondo na década de 1990, o que significa que os detidos por esse motivo perderam o direito de responder em liberdade e têm que cumprir maior sentença antes da progressão da pena (transformação em regime semiaberto ou condicional). Em 2006, a chamada nova Lei de Drogas procurou fazer uma distinção entre a quantidade de droga portada por um usuário e por um traficante, mas a diferenciação “acabou ficando nas mãos do policial ou do juiz”, de acordo com Natália.
A ideia de que as mulheres agem para ajudar os homens de sua vida (maridos, namorados ou familiares) e, por isso, acabam sendo presas, é verdadeira, mas não o único motivo que as leva ao cárcere. A voluntária da Pastoral Carcerária enumerou exemplos de mulheres que se envolveram com o tráfico de entorpecentes por este não obrigar a uma relação profunda com o “mundo do crime” e ser uma fonte de renda a mais para a família, enquanto outras traficam para sustentar o próprio vício. Natália citou também o caso de uma senhora de 50 presa juntamente com o filho, depois de a polícia apreender drogas em grande quantidade em sua casa. Não foi comprovada relação da mulher com o tráfico, mas o filho, de 20 anos, foi solto antes dela.
Outro aspecto colocado em foco por Natália foi o fato de a prisão feminina ser uma “metáfora” para a situação da prisão contemporânea e a invisibilidade das presas na sociedade. “A prisão só tem gênero quando se fala de prisões de mulheres”, acrescentou ela. “Ninguém fala em penitenciária masculina”.