Ao contrário do que se pensava, é possível que os municípios paulistas no século XIX não só não sofressem de escassez, como ainda tivessem sobra de recursos. Segundo o trabalho da pesquisadora Luciana Suarez Lopes, “Saldos e sobras: finanças públicas municipais na primeira metade do Oitocentos”, é possível contradizer a historiografia que trata do período Brasil Colônia, que aborda de maneira unânime a falta de recursos em que os municípios e vilas do país pareciam estar imersos nessa época, levando a um novo panorama de estudo da história econômica do Brasil.
O estudo foi feito com base em documentos da antiga Assembleia Legislativa de São Paulo, focando nas cidades de São Paulo, Bananal, Ubatuba, Itu, Franca, Sorocaba e Iguape. Segundo a professora, a fonte de dados é incerta e por isso leva a interpretações diversas e por vezes errôneas do que significam. “As prestações de contas certamente não eram feitas por contadores ou alguém com qualquer formação na área, mas sim de pessoas que vinham de famílias com posses. Por isso, seria demais exigir que fossem exatos. Essa contabilidade mal feita é apenas falta de treinamento técnico, não de má vontade”, afirma Luciana.
Segundo ela, a primeira Lei Orçamentária do estado foi publicada em 1836, de modo a tentar organizar as finanças públicas e a facilitar o trabalho dos contadores estaduais. No entanto, a maior parte dos municípios não entregava o relato de contas, ou os mandava de maneira incompleta e pouco fiel à realidade. A Comissão de Orçamentos e Contas da Assembleia Legislativa enviou, então, um passo a passo de como deveria ser feita a organização orçamentária municipal.
De acordo com Luciana, este documento foi responsável pela padronização dos orçamentos e dos balanços. O esperado durante a pesquisa era que, uma vez que não havia nenhuma lei regulamentando o que se pode cobrar no Império, a estrutura tributária se formaria de acordo com cada cidade, que tem uma atividade diferente e estão em lugares muito diferentes. Porém, surpreendentemente, os municipios haviam obedecido o padrão enviado pela Comissão de Orçamentos e Contas.
A partir de 1836, a pesquisadora passou a notar as discrepâncias e os erros nos orçamentos, apesar de estes terem sofrido uma melhora visível na abordagem. O problema da dívida ativa, que consiste em cobranças que não haviam sido feitas em um ano e entravam como dívida no ano seguinte, somados aos saldos e sobras, começaram a desmitificar o problema dos orçamentos incorretos. A dívida ativa mostrava-se, geralmente, como porcentagens muito significativas em relação às despesas. Dessa forma, Luciana afirma ter notado haver cerca de 24% de dinheiro sobrando, na forma de dívidas não cobradas e saldos mal explicados. “A impressão que fica é de que o orçamento é uma máscara que não possui relação com a realidade”, afirma ela, completando ainda que serviam para equilibrar contabilmente os valores arrecadados e dispendidos, facilitando assim a aprovação das contas pela Comissão de Orçamento e Contas da Assembleia Legislativa.