ISSN 2359-5191

28/05/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 26 - Ciência e Tecnologia - Instituto de Ciências Biomédicas
Estudo desenvolve diagnóstico complementar para tumores de mama
Pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos procura definir se nódulo é benigno ou maligno de forma não-invasiva

A detecção precoce do câncer de mama é fundamental para o aumento das chances de cura. De acordo com a Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), quando diagnosticado em estágio inicial (com tamanho de até um centímetro), há 95% de probabilidade de cura. O problema é que nesse estágio, só é possível identificar o câncer através da mamografia. E, ainda assim, não há como definir se o nódulo é benigno ou maligno. Para tal é necessário a realização da biópsia. Pensando nisso, o Instituto de Proteômica da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, coordenado por Joshua LaBaer, onde o professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Wagner Montor, foi pesquisador, começou a desenvolver, em colaboração com outros centros de referência nos Estados Unidos, uma forma de determinar a malignidade ou benignidade de forma não-invasiva, através de biomarcadores. “A ideia foi tentar fazer diagnóstico precoce, mas de forma complementar à imagem, de modo a melhorar o diagnóstico diferencial associando a imagem a biomarcadores, no caso, anticorpos circulantes contra o próprio tumor”, relata o professor, que foi um dos co-autores do trabalho publicado em 2011.



Esquematização de mamografia. Exame é muito importante para diagnóstico do câncer de mama, porém não define se tumor é maligno ou não.

A opção pelos anticorpos, em detrimento dos antígenos (toda molécula capaz de iniciar resposta imune) se deu, segundo Montor, porque o tumor muda muito ao longo de sua progressão e, às vezes, alguns antígenos estão ausentes, dependendo da fase analisada, além de nem todos serem circulantes. Contudo, os anticorpos têm um tempo de meia-vida maior, estando sempre presentes, sendo assim possível obter um histórico do tumor.

Vários biomarcadores já foram desenvolvidos para o estudo de tumores de mama. Porém, devido à heterogeneidade tumoral entre diferentes pacientes e mesmo de um único paciente em diferentes fases, estes sempre apresentaram baixa sensibilidade (capacidade de detectar indivíduos doentes em meio à população geral) e especificidade (capacidade de não confundir um indivíduo saudável com um doente). Para mudar isso, informa o pesquisador, “a ideia, desde o início, era desenvolver painéis de biomarcadores baseados em anticorpos, que permitissem alta sensibilidade e alta especificidade”.

Para obter esse resultado, o laboratório montou um microarray (microarranjo) de proteínas contendo todos os antígenos possíveis, nesse caso específico, proteínas humanas no geral, para rastrear o soro de dois grupos de pacientes: um composto por portadores de doença benigna da mama e o outro composto por portadores de doença maligna, ambos identificados em mamografia de rotina, com diagnóstico diferencial feito através de biópsia e exame anatomopatológico tradicional. Como existia uma grande limitação para se fazer o microarray de proteínas – é difícil conseguir produzir e purificar tantas proteínas diferentes de maneira correta e que tenham estabilidade para se manterem rastreáveis na superfície da placa –, foi desenvolvido um método chamado Nappa (Nucleic Acid Programmable Protein Array). Com este, em vez de colocar as proteínas diretamente na superfície da lâmina, colocam-se os clones de expressão correspondentes às proteínas de interesse. Desta forma,  trabalha-se com o DNA, que é estável e fácil de se obter em comparação com as proteínas e este é convertido em proteína apenas no momento do rastreamento, através de transcrição e tradução in vitro na própria superfície do microarray, utilizando lisado de reticulócito (material citoplasmático obtido do rompimento de reticulócitos) de coelhos .

Com o microarray de DNA convertido em um de proteínas, testes com o soro de pacientes de diversas populações foram feitos. O objetivo destes era, segundo o professor, diferenciar quem tinha doença benigna da mama (controle) de quem tinha câncer de mama invasivo (caso). No início, rastrearam-se cinco mil genes de interesse com soro de 53 casos e 53 controles. Após mais duas etapas de rastreamento, chegou-se a um painel com 28 antígenos, que, se analisados em conjunto, “davam uma resposta relativamente específica e sensível em relação ao diagnóstico diferencial do câncer de mama em pacientes que tinha uma imagem positiva e não se sabia se era benigna ou maligna”, conforme narra Montor. Fazendo a análise em conjunto das 28 respostas geradas pelos diferentes antígenos, é possível ter um marcador múltiplo de 80% de sensibilidade e 61% de especificidade. Nesse caso, como a sensibilidade é mais importante do que a especificidade, já que se trata de um exame para rastreamento e que deve ser confirmado por outros métodos depois, o possível marcador desenvolvido apresenta bons resultados.

Apesar disso, é necessário expandir testes do tipo para outros laboratórios e populações, para que possa ocorrer a validação do método. Para isso, um teste do tipo Elisa foi montado. Assim a pesquisa poderá ser estudada em outros laboratórios e de forma mais barata.

Outras aplicações

O dia 11 de setembro de 2001 mudou a história dos Estados Unidos. A partir dessa data, o investimento no combate ao terrorismo aumentou exponencialmente. A verba destinada à biodefesa (preparo contra possíveis ataques bioterroristas) também foi expandida, principalmente após os episódios do recebimento de cartas com esporos de antraz por alguns cidadãos norte-americanos (até mesmo por alguns parlamentares). Depois desses acontecimentos, vários centros de pesquisa receberam recursos para, segundo Montor, melhor compreender organismos que são ameaças bioterroristas potenciais e desenvolver novos métodos diagnósticos, tratamentos e vacinas para as infecções causadas.

O patógeno da cólera (Vibrio cholerae) foi um dos estudados pelo laboratório onde Montor trabalhava e nesse estudo foi aplicado o mesmo método já descrito acima. Para o projeto, comparou-se a resposta imunológica de pacientes na fase aguda da infecção (antes da produção de anticorpos e resposta específica) e na fase convalescente (resposta imune específica já presente). Após o rastreamento, em uma pesquisa ainda em andamento, várias proteínas foram identificadas como potenciais alvos para desenvolvimentos de vacina e diagnóstico.

Agente causador da cólera

Atualmente, o tratamento da cólera consiste somente em hidratação e uso de antibióticos e a vacina existente tem grande potencial inflamatório, que pode ser muito severo em alguns indivíduos que a recebem, sendo esta, portanto, restrita a grupos militares ou em missão em regiões endêmicas. Montor também participou de projetos visando identificar as proteínas do vibrião colérico que são responsáveis pelo quadro inflamatório, de modo que possam ser removidas das futuras formulações da vacina. Este trabalho identificou a enzima PSD (fosfatidilserina descarboxilase) como sendo a principal responsável pelo fenômeno inflamatório. No entanto, sabe-se que mais estudos ainda são necessários para resolver esta questão.

Outra aplicação do método foi feita no caso da Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria oportunista, que não desperta interesse do ponto de vista da biodefesa, mas que costumar afetar pessoas com o sistema imunológico já debilitado, ou doenças pulmonares crônicas, como é o caso de pacientes com fibrose cística. Essa infecção diminui a qualidade de vida dos portadores da fibrose cística, provocando quadros repetidos de pneumonia, podendo levar a óbito.

Pensando nisso, o método foi aplicado com o objetivo de criar uma vacina. Analisando a resposta imune de uma população composta por pacientes infectados por Pseudomonas aeruginosa, parte dela portadora de fibrose cística e parte imunodeprimida por quimioterapia, foi possível definir um painel explicitando os principais antígenos do patógeno que induzem a produção de anticorpos, o que é o primeiro passo rumo ao desenvolvimento de uma vacina. O trabalho de geração desta pesquisa abriu caminho para estudos que estão em andamento, mostrando que recursos aplicados em biodefesa podem e geram plataformas para outros que não estão diretamente relacionados a este tema e que são de interesse da população.

Este laboratório se mudou da Universidade de Harvard para a Universidade Estadual do Arizona, onde vários destes projetos, além de outros, vêm sendo desenvolvidos.



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