Às vezes a conjuntura mundial chega como “marolinha”, às vezes como onda. Como adequar as políticas econômicas diante das conjunturas geopolíticas é uma definição mais ampla para a pesquisa da professora Maria Antonieta del Tedesco Lins, Argentina, Brasil e México: efeitos das políticas monetária, cambial e de abertura de capital na integração financeira regional. O objetivo do estudo é gerar uma série de artigos para publicação que versem sobre como, apesar de compartilharem territórios como blocos, colapsos em cada um dos três países os empurraram para diferentes alternativas econômicas.
O primeiro interesse foi o grau de integração financeira desses países dentro dos seus blocos regionais: Brasil e Argentina dentro do Mercosul e México dentro do Nafta. Porém, a pesquisa encontrou um primeiro obstáculo para tal análise ao tentar obter dados sobre o fluxo financeiro destes países. Nos fluxos comerciais, pode-se ver quanto de capital saiu de um país para outro, mas em fluxos financeiros o dinheiro pode passar por um terceiro. “Às vezes o Brasil e a Argentina fecham acordos em Nova York, pelas mais diversas razões, como espaço jurídico e tributação”, afirma Maria Antonieta. “Você não consegue identificar perfeitamente tais fluxos, e esse é um problema. A integração regional é apenas um aspecto, que, isolado, não permite ver algo que interessa, que é a entrada e saída de capital”.
Na pesquisa, foram estabelecidos dois níveis de definição da integração financeira: a de fluxo de capital, que é a definição encontrada normalmente na literatura do assunto, e a de iniciativas regionais de integração. Assim, a pesquisa identificou o que ocorre dentro dos blocos para depois partir para um panorama mundial, e assim surgiram as comparações objetivadas no estudo. Os três países analisados apresentaram instrumentos de política econômica muito semelhantes, como o câmbio administrado (ligado principalmente ao combate à inflação), o Banco Central mais autônomo e a abertura para o capital estrangeiro, em algum momento da história dessas nações. O objetivo é, segundo a pesquisadora, “ver, por um lado, os fluxos de capital e, por outro, a mudança nas políticas dos três governos com relação a abrir mais ou fechar mais a economia e, sobre as políticas econômicas, como isso foi mudando de acordo com as necessidades das políticas domésticas dos governos nacionais”.
O futuro do Mercosul
O Mercosul já teve tempos mais gloriosos, e isso é algo notável tanto por estudiosos quanto pela mídia. Apesar do boom de comércio dessa união monetária já haver passado, Maria Antonieta defende que o sentimento de que o Mercosul desapareceu não é algo sentido por todos os lados, já que ele continua operando, mesmo em menor escala. “Se os governos não avançam, apesar do discurso pró-Mercosul, isso não significa que o bloco não continue, porque o setor privado usa os instrumentos legais que existem e os negócios funcionam. Existe muita empresa argentina no Brasil e muita empresa brasileira na Argentina, e isso continua. Certas vezes há alguma retração de um lado ou de outro, por causa da incerteza política, e aí, atualmente, mais na Argentina do que aqui. Eu já tive mais fé no Mercosul do que hoje, mas não acho que seja uma coisa que não possa renascer de outra forma”.
Em terras brasileiras, há situações em que o governo perde a mão
“Hoje, o Brasil tem uma posição confortável que permite que ele faça algum controle de capital, ou mude ou não, sem perder respeito no debate internacional, em fóruns como FMI e G20. Isso é novo, só possível por causa das políticas dos anos anteriores”.
O Brasil acumulou quantidade considerável de reservas internacionais (no gráfico, em bilhões de dólares) desde 2005, algo fundamental para que ele ganhasse certa autonomia e liberdade em suas posições internacionais
Apesar da boa situação descrita por Maria Antonieta, ela faz algumas ressalvas quanto às práticas econômicas que o país vêm adotando, como o protecionismo e a isenção fiscal, que repercutiram até na Organização Mundial do Comércio (OMC). “A justificativa é que essa é a solução para o problema do câmbio. Acho que não é assim que se resolve, inclusive porque você não ataca o problema do fundo, que é a produtividade, a competitividade, diminuir o custo de produção por outros caminhos, capacitando a mão-de-obra. Algumas isenções são interessantes, como as feitas desde 2006 para construção civil, no programa Minha Casa Minha Vida, porque é uma política social também. Mas, por exemplo, a Caixa dar dinheiro para comprar imóvel de R$500 mil, não sei se é algo necessário”.
As medidas adotadas especificamente pelo governo Dilma são um reflexo da busca desesperada pelo crescimento econômico, mesmo que este ainda tema o fantasma da inflação. “Essa inflação atual de 6% levou aproxidamente 20 milhões de volta para a miséria. A Dilma sabe que não se pode brincar com isso. Tem que crescer por produtividade, por outras formas, e não por isenção de imposto, quase sempre para o setor automobilístico. Estabilidade é um bem público, que deve ser mantido e preservado”.
A economia controla as ondas
Na América Latina, muitos movimentos parecem vir em ondas (“efeito dominó”, segundos alguns estudiosos), acontecendo em um país e repercutindo em outros da região. Apesar de não se posicionar totalmente contra a tese, Maria Antonieta chegou a mais diferenças entre os países do que semelhanças. “Existem ondas importantes na AL, como a onda de esquerda, mas você tem a Colômbia e o Peru operando mais à direita. Do ponto de vista econômico, na minha opinião, prioridades macroeconômicas acabam falando mais alto do que as ideologias políticas. É um argumento com o qual trabalho bastante, e por isso digo que mais ou menos integração econômica pode ser um instrumento utilizado para diferentes objetivos, para mais autonomia em diferentes momentos da história".
Esse seria o cerne da pesquisa: as prioridades macroeconômicas impõem um pragmatismo que faz com que um discurso político tenha de ser mudado. Como exemplos, a pesquisadora cita casos em cada um dos países. Na Argentina, as medidas neoliberais no governo de Carlos Menem em 1991, contra até mesmo a plataforma política que o elegeu. No Brasil, as medidas de Lula ao assumir o poder em 2002, entrando em conflito com parte do Partido dos Trabalhadores (PT) de forma a acalmar o temor internacional. Por fim, no México, é citada a nacionalização do setor bancário e posterior privatização com a crise de 1982.
Maria Antonieta afirma que não há um padrão único. O país não necessariamente fica mais fechado (ou mais aberto) para ficar mais forte e diminuir sua vulnerabilidade externa. “Minha hipótese é de que os países têm usado a abertura financeira como instrumento, obviamente de política doméstica, mas também como instrumento importante na política externa para se fortelecer internacionalmente. A pesquisa não tem nenhum juízo de valor, se é bom abrir ou fechar a economia, mas a ideia é olhar o que significou em cada momento cada uma dessas coisas”.
Foto de chamada: Infolatam