São Paulo (AUN - USP) - Muitas vezes desdobrando-se por galerias e fendas que alcançam até centenas de quilômetros, as cavernas e cavidades subterrâneas abrigam um dos ecossistemas mais frágeis do mundo, já que se encontram sempre num equilíbrio tênue entre a baixa quantidade de alimento disponível e a quantidade de seres vivos que necessitam desse alimento. A professora Eleonora Trajano, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, realiza sua pesquisa estudando esses ambientes e as melhores formas de protegê-los.
Por não receber raios solares, a vida vegetal encontra sérias dificuldades nesse ambiente escuro, o que impossibilita o sustento de um número grande de animais. Lar de diversos artrópodes, morcegos e outros mamíferos como as lontras, poucos répteis, anfíbios e aves e diversos peixes, a vida nas cavernas depende principalmente de alimentos trazidos de fora delas, sejam arrastados por correntezas, sejam trazidos por animais, como as importantes fezes de morcego, cujos acúmulos são conhecidos como guano.
Normalmente de pequeno porte, seus habitantes são adaptados à vida nesse local inóspito. Em geral, os organismos que colonizam cavernas já se encontravam adaptados a condições semelhantes àquelas observadas no meio subterrâneo (como é o caso dos animais de atividade noturna). Assim, no interior das cavernas encontram-se muitos organismos iguais aos habitantes do meio externo. Outros, porém, se diferenciaram e não encontram semelhantes no mundo externo, o que torna inestimável a preservação dessa fauna. A pesquisa da professora é voltada principalmente para os peixes que realizaram essa diferenciação e que são exclusivamente subterrâneos, conhecidos como peixes troglóbios.
O Brasil destaca-se por possuir, aproximadamente, vinte espécies desses peixes, sendo que no mundo inteiro são em torno de 125. Esses animais adaptados são, normalmente, descendentes de populações que ficaram isoladas nas cavernas e por isso se diferenciaram. As alterações mais comuns são a redução ou até inexistência de olhos e da pigmentação escura, desenvolvimento de outros sentidos que não a visão, alteração de comportamento e perda do ritmo diário de 24 horas.
Um exemplo desses peixes singulares é o Stygichthys typhlops, também conhecido como piabinha branca. Encontrado em poços artesianos na região de Jaíba, norte de Minas Gerais, o peixe vive no lençol freático e não possui olhos ou pigmentação. Adaptado à escassez de alimento em seu habitat, o peixe pode apresentar canibalismo, comportamento raro entre peixes troglóbios.
Por estarem no topo da cadeia alimentar nesse ecossistema tão frágil, tais peixes são muito suscetíveis às alterações ambientais. Além disso, algumas espécies vivem apenas em áreas muito restritas, sendo encontradas em não mais que 1000m de galerias subterrâneas. "Se você poluir 1000m de um rio superficial, provavelmente você não causará grande dano. Porém, se poluir 1000m dessas galerias subterrâneas, poderá extinguir espécies únicas", afirma a professora.
Destruição e preservação
A maioria das cavernas é formada em rocha calcária, que é solúvel na medida certa para criar cavidades e fendas subterrâneas. Porém, o calcário também é a matéria-prima para a fabricação do cimento, o que leva indústrias a extrair grandes quantidades da rocha de uma só vez, sendo responsáveis assim pelos maiores danos às cavernas brasileiras.
Porém, existem ainda outras formas de agressão, como a poluição química e orgânica dos rios, que carregam substâncias nocivas para as cavernas e águas subterrâneas, destruindo assim seu ecossistema. Além disso, o uso excessivo de poços artesianos pode drenar toda a água do subsolo e secar o lençol freático. Finalmente, temos a visitação intensiva, que provoca pisoteamento, alterações no clima e muitos ruídos, o que espanta os morcegos, que levam embora consigo o precioso guano.
Ainda segundo a professora, a preservação deve visar as formas de minimizar as conseqüências do impacto humano nesses locais. Empresas mineradoras devem atuar sob aconselhamento de um biólogo especializado em cavernas (bioespeleólogo), buscando reservas de calcário que possuam o mínimo de cavernas e fendas subterrâneas, para reduzir assim os danos causados sem interromper a fundamental produção de cimento.
A legislação nacional prevê a obrigatoriedade de planos de manejo, mas a fase atual é a de estudar como serão implantados esses planos, fruto de discussões entre o governo, empresas, bioespeleólogos e pesquisadores. Além disso, todos os ambientes com lençóis freáticos também necessitam de proteção própria, e para isso não existe legislação específica.
Apesar de não possuírem nenhuma aplicação prática óbvia para o ser humano, a preservação desses locais possui grande importância para o desenvolvimento sustentável do planeta. "Todos os animais e ecossistemas não devem ser preservados apenas porque possuem uma função definida para o homem. A função deles é, simplesmente, existir", conclui a professora.