São Paulo (AUN - USP) - George Walker Bush venceu a corrida eleitoral no voto popular. Além do direito a mais quatro anos no comando da maior potência global, sua vitória mostra o poder, até então subestimado politicamente, de forças alinhadas à uma direita conservadora, de valores morais fundamentalistas, patrióticos e xenófobos. Esta é a opinião de Luiz Sergio Modesto, professor-colaborador na Faculdade de Direito da USP. Embora reconheça que com o candidato democrata John Kerry haveria um mínimo de alianças multilaterais entre as potências globais, algo inexistente na atual gestão, Modesto não vê tantas diferenças entre um e outro. "O governo Bush deixa claro seu lado bélico", comenta.
O conservadorismo seria algo freqüente na política externa do país, mas é algo camuflado pela existência de uma falsa dicotomia progressista-conservadora entre democratas e republicanos. "Nos EUA, há um signo que aparenta ser progressista, os democratas, mas, na prática, os dois partidos estão no mesmo campo ideológico", diz Modesto. Além das ligações com corporações e o grande capital, os dois agrupamentos partidários posicionaram-se a favor da guerra contra o Iraque em 2003. Para Modesto, "a derrota de Kerry começou com o apoio quase unânime dos seus correligionários à guerra".
Na Casa Branca, Bush representa "a exacerbação do instrumento da força para a dominação de mercados", através da guerra. Este uso agressivo seria um sinal de uma decadência econômica dos EUA, pois "o mando já não é suficiente para dominar". Com suas guerras, o presidente acelera as trocas econômicas. Segundo o professor, esta dinâmica é constante na História desde a Antigüidade, como nos conflitos entre as cidades-estado gregas.
O problema de Bush é que existiriam outros elementos em jogo, crenças de choque de civilizações, "a divisão do mundo entre o bem e o mal". Modesto afirma que a forma maniqueísta do governo dos EUA interpretarem o mundo justificaria outras nações a chamar seus antagonistas de "terroristas", caso do Kremlin para com os tchetchenos. "Além disso, a força é condenável, por gerar mecanismos de desconfiança, expectativas negativas com relação ao outro".
A doutrina da "guerra preventiva" também é antiga na humanidade, o conhecido "Se vis pacem, para bellum (Se queres a paz, prepara-te para a guerra)". Este tipo de ataque encontraria respaldos até na Carta de 1945 da Organização das Nações Unidas (ONU), "um organismo antidemocrático formado para consolidação dos interesses políticos dos vencedores da II Guerra Mundial". Segundo Modesto, não é por acaso que os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU são os detentores dos maiores aparatos bélicos do mundo.
O professor rechaça a afirmativa de Bush de que sua reeleição lhe dá "capital político" para fazer avançar sua agenda conservadora nos EUA. "Bush está jogando novamente com a persuasão, não com a realidade", diz. Numericamente, ele obteve uma votação expressiva (59 milhões), mas Kerry também recebeu uma contagem significativa de votos. Bush ignora a divisão que os EUA mostraram nas urnas. "Ele ganhou 50%, mas pensa que levou tudo. Uma crença política equivocada, pois há 49% de resistentes".
Não desprezando o acaso, o fator mais decisivo da política, Modesto vê no alto déficit econômico um freio aos ímpetos bélicos de Washington. "Eles não têm condições de bancar uma guerra sozinha". Mesmo assim, o desempenho das tropas da coalizão anglo-americana no atoleiro iraquiano determinará ou não uma ação em outra parte do mundo, como o Irã. Já a América Latina, com uma economia insignificante comparada aos EUA, continuará em segundo plano para a Casa Branca.