ISSN 2359-5191

10/11/2004 - Ano: 37 - Edição Nº: 18 - Saúde - Instituto de Psicologia
Flores ajudam portadores de doença incurável a viver melhor
Voltadas para pessoas com esclerose lateral amiotrófica, oficinas de arranjos florais trazem novas experiências e sensações a quem já não tem muito tempo de vida.

São Paulo (AUN - USP) - Através de uma pesquisa inovadora desenvolvida no Instituto de Psicologia da USP, pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA) podem sentir-se mais vivos e presentes, apesar da doença degenerativa que carregam. Eles são atendidos de forma diferenciada: antes da consulta, participam de oficinas de arranjos florais, onde são estimulados a experimentar novas formas de se relacionar com o mundo. Esse tipo de atendimento psicológico faz parte do projeto “Ser e Fazer: oficinas psicoterapêuticas de criação” – que pertence ao Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social, do Departamento de Psicologia Clínica.

A ELA é uma doença degenerativa que leva o paciente à morte em aproximadamente três anos. O neurônio motor é afetado e os músculos vão, progressivamente, ficando paralisados. A maioria dos casos ocorre em adultos, a partir dos 45 anos. Contudo, pessoas mais jovens também correm o risco de serem portadoras. A impossibilidade de respirar é a causa mais provável de morte – já que o diafragma também é um músculo. “Isso é importante: a lucidez, o pensamento e as emoções ficam preservados até o fim”, explica a pesquisadora Lígia Masagão Vitali.

O paciente portador de ELA sente-se preso dentro do próprio corpo, além de estar quase totalmente impossibilitado de se comunicar (só o piscar dos olhos não é afetado). Assim, as pessoas “esquecem” que existe dentro daquele corpo imóvel um ser humano vivo. A pesquisadora explica que não há maldade nisso: há, na verdade, uma dificuldade emocional de lidar com o sofrimento tão intenso. A progressiva incapacidade de se movimentar, de falar, de deglutir, deixa o paciente e a família muito perturbados. A morte anunciada é outro agravante, assim como as mudanças drásticas que ocorrem no dia-a-dia da família.

Então, uma vez por semana, os pacientes participam das oficinas de criação de arranjos florais, que ocorrem antes das consultas médicas. “A locomoção deles é muito difícil, e, por isso, aproveito as consultas para fazer as oficinas – que se tornaram a sala de espera do ambulatório. Ao chegarem, os pacientes fazem os arranjos, e os médicos vão chamá-los lá”, conta Lígia. Mas há alguns que aparecem só por causa da oficina. Os grupos são diferentes a cada semana e as famílias também participam.

A idéia é que, usando materialidades mediadoras (as flores, no caso), crie-se um espaço de novas vivências e experiências, para que o paciente encontre novas formas de ser / existir. Nesse “registro existencial”, ele pode sentir-se mais vivo e real, presente no mundo. Assim, fica mais fácil enfrentar o drama da doença. Se algum dos pacientes já não mexe os braços, isso não é problema: ele escolhe o vaso (geralmente, sucatas), as flores, a disposição delas no recipiente, e, então, alguém da família o ajuda “emprestando” seus movimentos. Mas o autor do arranjo é o paciente. “A minha tese quer mostrar que, mesmo em condições tão extremas, é possível sentir-se presente e agindo no mundo, se for dado a ele um ambiente favorável à (re) criação desse mundo. Winnicott propõe que todo ser humano é capaz de (re) criar o mundo durante toda a vida”, afirma Lígia. Donald Winnicott é o psicanalista no qual se baseiam as pesquisas de Lígia e o projeto “Ser e Fazer”.

Os estudos desta “abordagem psicoterapêutica diferenciada” e os trabalhos com portadores da ELA vêm acontecendo já há dois anos e, no começo de dezembro, será defendida uma dissertação de mestrado sobre o tema. A pesquisadora já tinha experiência no atendimento de pacientes portadores de doenças sem cura, e decidiu dar continuidade a este projeto por ele estar voltado à comunidade carente – que raramente tem acesso à psicologia – e por se tratar justamente de uma doença incurável. “Acho importante dar a essas pessoas condições emocionais de se sentirem vivas, mesmo que a morte seja iminente. Enquanto ela não chega, esses pacientes estão vivos, entende?”, diz Lígia.

As oficinas de arranjos florais acontecem todas as quintas-feiras, a partir das 13h, no setor neuromuscular da Escola Paulista de Medicina (rua Pedro de Toledo, 377).
Maiores informações sobre o projeto “Ser e Fazer”: http://www.serefazer.com.br

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