O papel dos países do Brics na apropriação de terras em diferentes países é o tema de pesquisa do italiano Tomaso Ferrando, apresentado na palestra Global land grabbing: are the Brics any different? (Apropriação global de terra: os Brics são diferentes?), promovida pelo grupo Direito e Políticas Públicas da Faculdade de Direito. Segundo ele, candidato a PhD da instituição francesa SciencesPo (Instituto de Estudos Políticos de Paris), Brasil, Índia, China e África do Sul agem de modo parecido com o dos europeus à época da colonização, especialmente na África e na Ásia.
Ferrando apontou que os Brics costumam se apresentar como parceiros dos países em desenvolvimento, mas, quando se fala em terras, “as relações norte-sul e sul-sul parecem convergir”. Ele afirmou que, apesar de a conquista de terras ser um processo conhecido desde a colonização da América, não deveria haver esse tipo de invasão atualmente, uma vez que não existem mais colônias.
A aquisição de terras ocorre, de acordo com o pesquisador, por meio de compra ou concessão e as razões apresentadas para essa atividade vão desde o turismo até a busca por territórios onde se possa produzir combustíveis renováveis. O investidor, quando adquire o território, fecha a região e obriga tudo o que havia lá antes a ir para outro lugar, constituindo uma das principais consequências do land grabbing: a desapropriação. No entanto, essa não é a única. “Concentração de terras, exclusão, falta de acesso à água, diminuição da produção de alimentos, mudanças socio-econômicas”, listou Ferrando.
Os dados do International Land Coalition (ILC) de 2011 mostram que cerca de 80 milhões de hectares foram concedidos a investidores ao redor do mundo, o equivalente a 20 vezes o tamanho do Reino Unido. Ferrando, entretanto, chama esse número de “conservador”. O mesmo ILC, em 2012, elevou a quantidade de hectares para 227 milhões. O continente com maior cessão de terras é a África, com 56,2 milhões de hectares. Em seguida vem a Ásia, com 17,7 milhões e a América do Sul, com 7,7 milhões.
Entre os países do Brics, o maior land grabber ou apropriador de terras é a Índia, com quase 5,5 milhões de hectares adquiridos em países como Camboja, Indonésia e Sudão, além do seu próprio território. A China, com cerca de 5,4 milhões de hectares, investe no Sudão, no Congo, em Uganda e em países latinos como a Bolívia e o Peru. A Rússia se destaca por não fazer parte desse círculo: não há informações de investidores russos comprando terras em outros continentes. O Brasil tem maior relação com países africanos, especialmente Moçambique, Etiópia e Angola. Esse contexto, segundo Ferrando, não significa que os próprios países sejam apropriadores, mas, sim, seus investidores. Entretanto, ele mesmo faz uma ressalva: os governos facilitam essa atividade dando dinheiro aos investidores, por exemplo.
Tratado Bilateral de Investimento
Um Tratado Bilateral de Investimento (TBI) é um acordo firmado entre dois países que protege juridicamente investidores estrangeiros. De acordo com Ferrando, esses tratados podem ser vistos como um tipo contemporâneo de colonialismo. Os TBIs da China, por exemplo, seguem quase os mesmos padrões dos países europeus, tão criticados pelo governo chinês. A diferença para o colonialismo seria que os TBIs, supostamente, não interferem na soberania e na autonomia de um país. No entanto, a “ameaça de perder investidores para países vizinhos” pode pressionar governos a assinar tratados como esse, na visão do pesquisador.
O Brasil fez oito tratados bilaterais nos últimos 20 anos, mas nenhum deles foi ratificado pelo governo. No entanto, os investidores brasileiros vêm pressionando para que os acordos sejam colocados em prática.
Os TBIs, segundo Ferrando, são “um caso de subordinação” dos países uns aos outros, que gera milhões de desabrigados, uma vez que o governo “adapta a realidade” para aquilo que os investidores precisam: se, ao assinar o contrato, eles prometeram terras vazias, devem entregá-las desse jeito a quem as compra, sob o risco de infringir normas internacionais. Outro modo de subordinação é a água. “Apropriação de terra é apropriação de água”, afirmou Ferrando. Os investidores têm direito às fontes de água que existirem nas terras que compraram ou, pelo menos, têm prioridade no acesso.
ProSavana
Falando especificamente do Brasil, o pesquisador citou o programa ProSavana, feito em conjunto com o Japão e o Moçambique. Segundo ele, o governo brasileiro propaga a ideia de que não há comida suficiente para todos e é necessário usar o maior número de territórios possível para produzir mais alimentos, mas isso “é uma mentira”.
O programa tem Brasil e Japão como investidores e o Moçambique como doador de terras. As informações divulgadas são poucas, mas Ferrando afirma que instituições como a Embrapa e a FGV estão envolvidas. O temor é que ocorra no país africano a mesma degradação do ambiente que ocorreu no cerrado brasileiro, com a multiplicação das plantações de soja, diminuindo o espaço para a produção de alimentos e agravando o problema da fome.