Envelhecer, para muitos, é resultado da consolidação de hábitos, costumes, conceitos e ideias de uma vida toda. Para outros, a idade avançada significa a encarnação de sabedoria e experiência. Cada idoso traz consigo um discurso adquirido durante sua trajetória, que contém, em sua essência, valores contraídos nesse caminho. Entretanto, nem todos os discursos e costumes são reflexos da sabedoria tão associada a essas pessoas. Diante desse contexto, o recente grupo de pesquisa da professora Andréa Viude, “discursividades no envelhecer”, busca revisar e ressignificar, através da comunicação, esses dizeres e assim, segundo ela, “quebrar alguns estigmas e mudar paradigmas”.
No Hospital das Clínicas de São Paulo, existe, há mais de 25 anos, o Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial (Gamia). Esse grupo tem como objetivo cuidar de 30 pacientes idosos, por ano, em diferentes aspectos – médico, psíquico e social – através do atendimento integrado de diversos profissionais, para promover uma melhora na qualidade de vida dessas pessoas.
“A ideia do projeto é ver essas muitas discursividades, presentes nessas 30 vidas tão diferentes, que vão desde empresários a pessoas que moraram na rua”, explica a professora, que ressalta a importância do contato diferenciado. “Eles vão descobrindo que o empresário não está tão bem assim, e que ele feirante está um pouquinho melhor”. Na comunicação, seu campo de atuação, Andréa levanta discussões a partir de relatos dos participantes.
É comum ouvir nos discursos, segundo a professora, queixas como “respeito não existe mais” e “jovens não escutam” por parte dos idosos. Ela explica que é necessário, a partir disso, mostrar para esse grupo suas responsabilidades, seus papéis como “atores sociais”. Afinal, eles educaram seus filhos, e estes, seus netos. É preciso entender as responsabilidades, o contexto histórico em que estão e estavam inseridos, e, suas experiências que vão desde a ditadura até os avós severos da infância. A palmatória e o “rabo-de-tatu” podem não existir para a geração mais nova quando esta falar mais alto, por exemplo.
Tudo isso acaba interferindo em todo ciclo vital do homem, explica a professora. Em sua participação, capacidade de inserção e o planejamento para o futuro, por exemplo. Através das discursividades, os idosos percebem o ciclo no qual estão inseridos e passam a ressignificar. “Eles não são, simplesmente, pessoas que estão na janela, vendo a banda passar. Eles são pessoas que estão tocando na banda. E isso é um choque muito grande para eles”.
O simples “falar” e “questionar”, para eles, segundo a pesquisadora, é algo relacionado a dor, porque é tido como algo revolucionário, que não se podia fazer. Eles acreditam que o sistema não muda e devemos aceitar que ele seja assim. “Isso é muito triste na gerontologia, pensar que pessoas que passaram por tantas transformações e, que, no senso comum se diz que são sábios. Na verdade, é preciso mostrar onde está essa sabedoria”, explica Andréa. “Porque, ou eles perderam e se tornaram, ou continuaram a ser, exatamente aquilo que eles criticavam quando eram crianças”.
As questões de gênero e patriarcais, por exemplo, são alguns discursos que se perpetuam em dizeres e na forma de educar os filhos, e são idênticas aos dias de hoje. “Eles começam a se dar conta de que eles são responsáveis por essa perpetuação, e eles não querem essa responsabilidade, que é algo ruim, como perpetuar a violência doméstica, por exemplo.” E a professora finaliza explicando que seu maior desafio é, no final das contas, “tornar consciente aquilo que está ali presente no discurso deles, e para eles”.