Os programas assistencialistas são, muitas vezes, criticados por seu caráter político-eleitoreiro. É quase um consenso que os governantes terão um melhor resultado em uma possível reeleição caso os façam, especialmente quando se evoca a imagem de ações como as promovidas pelo Bolsa Família. Porém, para o professor Diego Sanches Corrêa, há um extrapolação em tal acusação. Em seminário organizado pelo NECI, entitulado CCT Programs, the Economy, and Presidential Elections in Latin America (Programas de Transferência de Renda, Performance Econômica e Eleições Presidenciais na América Latina), o pesquisador mostra que tais programas não melhoraram a performance política do governante da região, em contraposição ao senso comum e à literatura predominante. “Talvez porque os programas de transferência de renda sejam uma política social predominante na América Latina especificamente, seu potencial de afetar resultados eleitorais ainda não foi muito estudado quanto outras variáveis econômicas, como o PIB, a inflação e o desemprego”, afirma Diego Corrêa.
O Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda no mundo. Fonte: Bruno Spada/MDS
Os programas de transferência de renda dão dinheiro a família pobres e impõem condições de educação ou saúde para seus filhos. As políticas diferem em quantidade paga aos beneficiados, regularidade dos pagamentos, especificadades das condições, idade de crianças elegíveis, métodos para assessorar nível de pobreza dos indivíduos, fonte de fundos, entre outros. Assim que o critério de eligibilidade é estabelecido pelo governo, o programa tende a se expandir até atingir cobertura plena. Depois, a única maneira de se expandir é mudando critérios de eligibilidade. A proliferação de estudos sobre o tema começou com a eleição brasileira de 2006. Uma correlação extremamente positiva entre a cobertura municipal do Bolsa Família (maior programa de transferência de renda no mundo) e a porcentagem de votos que Lula recebeu fez com que vários cientistas políticos e economistas propusessem uma causalidade entre os dois fatores. Dizer que o programa foi o fator mais determinante para a eleição já era algo sedimentado, e os poucos estudos contrários lutavam contra uma vazão de empirismos. Variações econômicas só eram citadas para concluir serem insignificantes ou fracas para prever o apoio eleitoral do governante.
O método
O estudo foi realizado com um banco de dados de 84 eleições presidenciais em vários países da América Latina, entre 1990 e 2010, mostrando que 35% das adminisitrações presidenciais na região fizeram uso de tais medidas no período analisado. Cinco delas já possuíam experiências do tipo, inclusive o Brasil, com o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. Foram coletados dados econômicos, eleitorais e políticos de 18 democracias ibero-americanas, das quais 16 ainda usam programas de transferência de renda. No início da década de 2010, a Venezuela era a única democracia na America Ibérica que não possuia nenhuma experiência com tais programas, e a Nicarágua era o único país a ter suspendido um programa de transferência de renda sem susbtituí-lo por outro.
Diego Corrêa se aproxima, portanto, da hipótese do voto econômico: a de que os cidadãos votam com base na situação econômica em que o país se encontra. Ao mesmo tempo, ao demonstrar que as transferências não afetam a performance eleitoral dos governantes, o pesquisador dialoga com aqueles que estudam o efeito destas nas eleições.
Também é feita a distinção entre os programas com alcance mundial e os de espectro geográfico, além de estimativas de seu efeito em anos eleitorais. Essa divisão se justifica pelo fato de que os programas geográficos podem ser interpretados como sinais de injustiça contra famílias pobres que não vivem nas áreas cobertas. Não seria um programa necessariamente clientelístico, mas inegavelmente um indicador de que o programa não atende todos os necessitados. Um sentimento de revolta pode fazer com que estes se voltem à oposição, fazendo com que os votos que o governante esperava conseguir nas áreas cobertas sejam afetados. Os programas universais, na pesquisa, são apenas aqueles que cobrem ao menos 95% das divisões administrativas de segunda categoria do país na época de eleição. Sob um outro prisma de análise, há uma seção dedicada a como estes afetam as variações de voto dos governantes, e outra só considerando contextos políticos favoráveis.
Olhando tanto do lado dos beneficiados quanto dos que promovem a transferência de renda, todos os modelos descritos na pesquisa confirmam a proposta que os cidadãos respondam à mudanças em condições materiais das suas vidas ao votar. É uma questão de variáveis econômicas, e não do programa em si.
Resultados
O pesquisador concluiu, com base em análises estatísticas, que candidatos governistas tendem a perder votos entre eleições, tendência observável mundialmente. Eles perderam, em média, quase 9% dos votos válidos, e só 25% melhoraram sua performance de uma eleição para outra. Presidentes que investiram em programas de transferência de renda se saíram melhor que outros presidentes, especialmente quando as políticas eram universais. Isso poderia fortalecer a hipótese de que elas são determinantes para a reeleição, mas o estudo reforça que programas não são as únicas possíveis variáveis determinantes do resultado eleitoral. A cobertura das transferências de renda é significantemente associada com o voto no candidato da posição somente no modelo que não conta com variáveis econômicas. Quando estas são consideradas, o poder que as transferências teriam é reduzido de forma considerável.
Como exemplo, Corrêa cita o período de pós-democratização no Brasil. Três candidatos foram reeleitos com aproximadamente a mesma proporção de votos (deles próprios ou de predecessores) da última eleição: Fernando Henrique Cardoso em 1998, Lula em 2006 e Dilma Rousseff em 2010. Suas administrações que levaram à vitória também aumentaram o crescimento econômico quase na mesma porcentagem: um pouco mais do que 1% do PIB. Suas performances econômicas e eleitorais batem, mas seus programas de transferência de renda não. FHC não investiu nesses programas na época de sua reeleição, enquanto Lula aumentou a cobertura destes em 8% em 2006 e 3% em 2010. Os modelos testado também mostram que tais políticas não ajudaram governantes a vencer eleições em nenhum tipo de contexto político (minoria ou maioria no governo).
Sobre a pesquisa, Diego Corrêa diz que os resultados apresentados mais criam do que resolvem enigmas. Por exemplo, por que presidentes investiriam em programas de transferência de renda se isso não os beneficia eleitoralmente? “Posso propor ao menos duas razões. Primeiramente, os governantes podem genuinamente acreditar que estes possuem um bom custo-benefício eleitoral, da mesma forma que todo mundo acredita. Em segundo lugar, há um fator psicológico. Há algum tipo de preocupação em cuidar do país em que se governa, especialmente em regiões desiguais, em que a redistribuição de renda é emergencial. Talvez não seja uma preocupação tão grande quanto vencer uma eleição, mas, na psiquê do governante, resolver um problema doméstico urgente pode ser uma prioridade”.
Foto de chamada: Agência Brasil