São Paulo (AUN - USP) - Em seminário organizado pelo Núcleo de Estudos Internacional (NEI) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), especialistas discutiram a relativização do conceito soberania diante de uma realidade globalizada. No primeiro dia da Semana de Direito Internacional (Sedin), João Grandino Rodas, juiz do Tribunal Permanente do Mercosul, Leonardo Caldeira Brant, presidente do Centro de Direito Internacional, Adherbal Meira Mattos , professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e o embaixador Luiz Felipe Lampreia discutiram tanto os aspectos jurídicos como políticos da questão.
O professor da FDUSP João Grandino Rodas expôs as origens do direito internacional, relacionando-o com a noção de soberania. A primeira vertente do direito internacional foi privada e teve origem na Idade Média devido às transações comerciais então realizadas, que não eram amparadas por nenhuma lei. Rodas explica que é a partir do surgimento do Estado moderno, na França, que se pode estabelecer o conceito de soberania, mantido até hoje, já que a divisão do mundo ainda é feita em Estados. Segundo o juiz do Tribunal Permanente do Mercosul, com o surgimento dos Estados-Nação foi preciso criar uma norma que guiasse as relações a serem mantidas entre eles, dando origem à segunda vertente do Direito Internacional: o Direito Internacional Público.
O presidente do Centro de Direito Internacional (Cedin), Leonardo Caldeira Brant, defendeu que, juridicamente, o conceito de soberania é a capacidade de um país de produzir normas jurídicas, segundo a vontade popular. Uma diferença, no entanto, entre o direito nacional e o internacional, é que no primeiro o próprio país faz as normas que o irão regular, enquanto no segundo as regras não são feitas por aqueles que as devem seguir, mas por um órgão maior que os Estados.
Adherbal Meira Mattos, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), disse que a globalização acaba por ultrapassar as fronteiras, dinâmica e até violentamente, ferindo a soberania dos Estados. No entanto, para ele, o conceito desta é também dinâmico, já que permite o convívio da soberania das diferentes nações, se houver diálogo, e polêmico, uma vez que explora facetas diferentes de uma única idéia.
Para Mattos, apesar de atualmente o grau de soberania variar de país para país, ainda não se perdeu sua noção como poder territorial. Prova disso é a posição irredutível que os Estados assumem no que diz respeito a suas fronteiras terrestres, aéreas e marítimas.
Mesmo sendo mantido esse conceito até hoje, Mattos ressaltou que a soberania criou seus próprios limites, um deles dizendo respeito à integração internacional. O professor defendeu que esta não diminui a soberania de um país, já que ela é necessária na tomada de uma decisão sobre a integração. O caso da União Européia, com a recente assinatura de uma Constituição, foi um exemplo citado por ele: a soberania do conjunto manteve a soberania de cada um dos países, que tomaram a decisão de se integrar e aceitaram as condições.
Segundo ele, diferente é a situação nas negociações sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Nesse caso, não há um diálogo e o projeto veio praticamente pronto dos Estados Unidos, país hegemônico na América Latina, havendo a diminuição da soberania dos outros países.
Além da Alca, o professor citou outros casos de tratados que ferem a soberania dos países. A base americana na região de Alcântara, no Maranhão, e o tratado sobre o domínio polar, que estabelece quais países podem ter bases na Antártica, foram citados como prejudiciais, já que permitem que nações politicamente fortes tirem vantagens sobre outros países.
No que diz respeito ao direito ambiental, Meira Mattos disse que há um perigo iminente com a assinatura dos textos da Eco 92. O professor afirmou que assinar um tratado que permite que certos elementos da flora e da fauna não possam ser patenteados quebra a soberania de países como o Brasil, que não possuem tecnologia para explorar a sua riqueza ambiental.
Para ele, não se pode conceber a relativização do conceito de soberania. O que deve ser feito, acredita Mattos, é a "autolimitação dentro da operação racional, com razoabilidade", mantendo a soberania de cada Estado ao mesmo tempo em que se permite a maior integração internacional.
Para o embaixador Luís Felipe Lampreia, a soberania absoluta somente era possível no momento em que o Estado-Nação era o único dotado do poder de fazer normas. Segundo ele, a defesa da soberania absoluta só ocorre atualmente em países que mantêm uma ditadura, como Cuba, e se opõem à integração internacional.
O embaixador atribui a relativização da soberania ao fato do Estado já não ser mais visto como o maior e único detentor dos direitos. Um exemplo disso é a organização da sociedade civil, que atua no âmbito internacional em defesa das minorias e dos oprimidos.
Para ele, a soberania deve ser um conceito em constante evolução, permitindo discussões como a do Brasil no Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), no qual o país representa cerca de 70% de todo o bloco, seja demográfica ou economicamente. A pergunta, para o embaixador, é se seria bom politicamente, para o Brasil, a repartição igualitária do poder. "Percebe-se, então que é preciso repensar a soberania, discutindo se a relativização desse conceito é possível e benéfica", diz.